Um assunto que muito me interessa e que sempre me despertou alguma curiosidade foi a antiga Praça de touros de Sintra, ou melhor, de Cintra.
Confesso que este assunto esteve adormecido cerca de uma década sem lhe tomar a merecida e devida atenção. Isto deveu-se porque a documentação disponível no arquivo histórico Sintra, na Biblioteca Municipal ou no arquivo da Torre do Tombo é escassa.
Entao, na base deste trabalho, recolhi informação da minha Sintriana, de periódicos antigos, de ilustrações de outros documentos que possuo, que são mencionados ao longo do artigo.
Descobri com relativa facilidade que Cintra ou Sintra não teve uma Praça de touros, nem duas, nem três, mas sim quatro Praças de touros. Umas desmontáveis e mais pequenas, outras de tamanho considerável ou provisórias. Apenas uma delas ainda existe.
A primeira Praça de touros de Sintra que abordamos é a antiga Praça de touros da Estefânia. Já existia em 1874. A segunda ficava em S. Pedro de Sintra e vem mencionada nas obras de José Alfredo, é do início da década de 20 (1920). A terceira que descrevemos é a antiga praça de touros do Campo da Portela, com data de 1931. A quarta é a única que ainda existe, fica localizada na Quinta dos Cedros no Linhó.
Vamos então começar a história da Praça de touros de Sintra
A Praça Touros de Cintra na Estefânia 1874
A primeira Praça de touros de Sintra ou Cintra, que falamos é a antiga Praça de Touros da Estefânia. Esta praça de touros ficava situada onde está hoje mercado da Estefânia. Não consegui descobrir em que data ao certo foi construida esta praça.
Segundo José Alfredo esta praça foi construida antes de 1878. Eu descobri que em 1874 esta praça já existia. Vem mencionada na publicação Portugal Antigo e Moderno que transcrevemos mais a frente. Mais pormenores sobre a data da construção nada encontrei.
Sabemos que a praça foi demolida após a implantação da República por ordem do presidente do município Fernando Formigal de Morais com a intenção de fazer uma melhor. Acontece que o Morais aborreceu-se com o cargo, abandonou-o e praça de touros nunca mais se construiu nenhuma, até 1931.
Na curiosa publicação anteriormente mencionada – Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Soares, Vol. 3 datada de 1874 diz o seguinte:
“Estephania – (villa em projecto) na Extremadura, freguesia, comarca e concelho de Cintra, 30 kilometros a NO de Lisboa e a 1 a NE da villa de Cintra. Passa por esta pequena povoação a nova estrada Larmanjat, feita e aberta á viação publica em 1873. Neste anno( de 1874) a villa Estephania tem apenas 10 moradas de casas. A sua situação, em uma pequena elevação, é muito bonita, como tudo em Cintra, de que fórma um arrabalde. Entre esta povoação e a villa de Cintra, ha uma praça de touros, construida modernamente.“
Na belíssima publicação – A Formosa Lusitânia de Lady Catherine Jackson de 1878 refere que:
Parece-me que melhor êxito se offerece agora à rival de Cintra com o patrocínio dos frequentadores. São por ella muitas vantagens: a estrada châ para Cintra plantada de árvores e arbustos que ali fondejam depressa, é um passeio de predileção; depois a nova praça de Touros – distração cuja necessidade ninguem pensaria que se fizesse sentir em Cintra – está perto da Estephania.
Para melhor descrevermos as touradas e vacadas que aconteceram na Praça de touros de Cintra na Estefânia publicamos vários excertos com fotografias das seguintes publicações ordenadas por datas.
Tourada na Praça de Touros de Cintra Estefânia em 1890
O Recreio, publicação semanal de 3 de março de 1890.
Mais uma vez a chuva impertinente nos provou que desmancha-prazeres, apresentando-se em ocasiões improprias só para transtornar os mais bem formados planos, e causar dissabores e desgostos.
Foi o que aconteceu agora com a tourada projectada em Cintra no domingo 13 do corrente mez d’abril, tourada que prometia ser brilhantíssima pelos cavalheiros distintos da sociedade elegante, que se prontificaram a tomar parte nesse divertimento anti-civilisador, mas que encontra ainda hoje bastantes adeptos, entusiastas e admiradores.
Há muito tempo que se tino via uma corrida de touros, dessas corridas chamadas, dos fidalgos, em que brilharam, como lidadores, tantos aristocratas de vieille rocha, em que a praça do Campo de Sant’Anna se apresentava decorada com a máxima elegância, em que os camarotes se viam repletos do senhoras, pertencentes às primeiras famílias do pais, ostentando vistosas e riquíssimas toilettes, em que a praça se juncava de flores, de rebuçados e de charutos que se atiravam aos valentes lidadores, oferecidas áquelles que mais se distinguiam!
Bons tempos eram esses! Pois, a tourada projectada agora em Cintra, promettia ser uma repetição dessas antigas e enthusiasticas corridas, em que figuraram como cavaleiros os ilustres fidalgos, conde de Vimioso, Marquez de Castelo Melhor, Frederico Ferreira Pinto e outros, cujos nomes não nos recordamos, soberbamente trajados á Marialva, montados em magníficos cavalos, ricamente ajaezados.
Tudo estava preparado, para que o domingo 13 fosse um dia de eternas recordações nas lides; a praça de Cintra estava elegantemente enfeitada, as monos prepararam-se com mestria, gosto e riqueza, os boteis e restaurantes forneciam-se de abundantes piteus, para a enorme concorrência de povo que se esperava, mas ninguém contava que o dia escolhido para tão pomposo divertimento, era o dia 13.
Esse numero 13 tão arrevesado e cabalístico, numero fatídico que sempre faz das suas, que é um enguiço para os tristes mortais, quando não aparece alguma benévola Mascote a destruir o seu terrível efeito.
O número 13 combinou-se com o inverno, e ambos trataram de transtornar todos os planos projectados. O inverno invadiu a primavera, colocou-se à frente da majestosa estação das flores, abriu as cataratas celestes, e a chuva torrencial começa na madrugada de sábado para domingo, a inundar os campos, as ruas, e a encantadora praça, onde devia realizar-se a corrida;
Durante o dia de domingo assombrado pelo fatídico número 13, a chuva não cessou um instante; e os lidadores lá andavam desconsolados, praguejando, maldizendo o destino que os não deixava brilhar nem divertir; os proprietários dos hotéis e restaurantes gritavam também contra a chuva, finalmente, a primavera, sempre brilhante, parecia ter-se transformado em rigorosa invernia, expressamente para impedir a tourada.
Tourada na Praça de Touros da Estefânia em 1904
Brasil-Portugal – A Vacada em Sintra 14 Setembro de 1904
Pela gravura fixamos aqui a luzida festa do dia 14 na Praça de Touros de Cintra, damos lugar de honra, na primeira página as presidentes de honra, um grupo delicioso de portuguesas encadernadas em andaluzas.
Sob os olhares de taes juízes não houve marrada que intimidasse os lidadores. O arrojo das pégas, o brilho dos cavaleiros, o aspecto dos bandarilheiros, a elegância nos saltos à trincheira. Muitas risos, muita alegria, muitas emoções e nem um trambolhão.
As próprias feras receberam as investidas muito cheias de si, nessa orgia de luz, de bohemia, de rebuçados e de palmas. E quando mais tarde as levaram para as lezírias iam tristes com saudades da estroinice que apenas durou uma tarde.
Estamos antevendo de aqui a 20 anos este punhado de mocidades curvado sobre o jornal a relembrar a cena e as suas figurinhas alegres, já então roçando pelos 40 e pela sisudez de pais de família.
Reproduziremos por essa época os grupos, se antes nos não houver a terra mãe comido os ossos.
Tourada na Praça de Touros na Estefânia em 1906
Periódico Brazil Portugal – 5 de agosto de 1906
Teve no primeiro domingo d’este moa uma tardo feliz a sociedade elegante que veraneia em Cintra. Lá esteve lambem o Brasil Portugal o lá teve as suas objectivas assestadas não só para o camarote real, em que as duas rainhas, a princesa Luiza de França, o príncipe real e os infantes D. Afonso e D. Manuel, davam à corrida com a sua presença a nota da mais alta elegância, mas lambem para os palanques em que mesmo à sombra o sol realçava as faces mimosas e as toilettes claras da mocidade feminina que estanceia na verde e fresca Cintra.
Era inteligente o visconde do Tojal, cavaleiro, D. José do Mascarenhas, bandarilheiros, Eduardo Perestrello, João de Azevedo Coutinho, e Julio Casar dos Santos; entre os moços de forcado e de curro figuravam rapazes dos da melhor sociedade, D. Ruy da Camara, picou um touro com galhardia e arte, e com tantos elementos reunidos, a corrida foi o que não podia deixar de ser, um agradabilíssimo passa-tempo de que só se arrependeram…os touros.
Tourada na Praça de Touros da Estefânia em 1907
Ilustração Portuguesa – 2 de Setembro de 1907
Não há espectaculo que seja mais genuinamente português, mais acomodado ao gosto da nossa gente, do que são as touradas. Para se ter a convicção d’isso basta entrar em qualquer praça numa tarde de corrida.
O interesse empolgante que a todos os espetadores despertam os episódios da luta, o entusiasmo com que são acolhidas as sortes artisticamente executadas, a agitação extraordinária e a alegria esfuziante, tão fora do nosso génio e tão diversa do nosso carácter, que se transmite e propaga em todos os espíritos, denunciam imediatamente que é aquele o divertimento predileto e favorito do nosso povo.
Dizem muitos que uma corrida se parece sempre com outra corrida, e a lide de um touro com a lide do que o precedeu e do que se lhe segue na mesma tarde. Mas esses são os profanos, os bárbaros, incapazes de compreender as variantes da beleza que o combate oferece.
Pode afigurar-se aos seus olhos sem conhecimento e experiencia da arte que não há diferenças e, contudo, as peripécias que se desenrolam e reproduzem no redondel são sempre novas e originais, dissemelhantes entre si, cheias de inédito e de imprevisto.
Não queremos assumir, por nossa parte, a responsabilidade de contesta-lo, visto que tantas pessoas ilustres o afirmam; mas não podemos também deixar de dizer que foi nas praças de touros, nas lutas épicas das antigas corridas portuguesas, que se educavam em lições de coragem e brio, os infantes e cavaleiros que tão nobremente iam depois batalhar com mouros e infiéis, dando ao mundo o exemplo incomparável da valentia e heroicidade.
A verdade que deve, porém, dizer-se é que, apesar de todas as eloquentes obrigatórias contra o espectáculo bárbaro, que a cada passo nos assediam os ouvidos, quer seja em Lisboa, na praça do Campo Pequeno, quer seja em Sintra, em Almada, ou em outra povoação dos arredores, o dia de uma tourada representa sempre um dia de verdadeira festa e regozijo populares.
Os aspectos da ultima corrida na praça de Cintra , em benefício da Misericórdia local que a nossa série de Photografias reproduz, é a prova absoluta do que acabamos de affirmar.
A Praça de Touros de Sintra – Campo da Portela 1931
A Praça de Touros de Sintra no Campo da Portela segundo me foi referido há uns bons anos, situava-se no denominado Campo dos Cosmes, local onde é hoje o estádio de futebol da Sport União Sintrense e a Escola Secundária Santa Maria. Sei que em 1930 os terrenos para o campo de futebol situavam-se no local da Escola secundária e foi inaugurado no dia 5 de Outubro.
Da pouca informação que consegui recolher sobre esta praça de touros sei que a mesma não se destinará apenas a divertimentos tauromáquicos, mas também a espectáculos do circo, cinema ao ar livre, lutas de box, luta romana o outros adequados. Esta informação está descrita no cartaz que se segue.
O ano em que a praça foi desmantelada não consegui descobrir. Sei que em 14 de Setembro de 1941 ainda estava de pé e com bastante afluência de público.
Empresa de Recreios de Sintra – Sede Provisória – Bureau de Turismo – Praça da República Sintra. Construção da Praça de Touros. Emissão de 6000 acções do valor nominal de Esc. 25$00 cada, no total de Escudos 150.000$00 nas seguintes condições:
1º 0 pagamento poderá ser feito na totalidade ou em 3 prestações de 40 7, no acto de subscrever, 30 7, 60 dias depois e mais 30 70 60 dias após o pagamento da 2ª prestação:
2º Os acionistas terão as seguintes vantagens:
- a) Por cada 20 acções 1 logar cativo na bancada de sombra
- b) Por cada 30 acções 1 logar cativo e/barreira de sombra
- c) Por cada 40 acções1 logar cativo barreira de sombra
- d) Por cada 50 acções 1 logar cativo de fauteuil
- e) Por cada 200 acções 1 camarote
- I) Parte nos lucros líquidos da exploração deduzidos os encargos estatuários
A Praça de Touros em S. Pedro de Sintra
A única referência à Praça de touros em São Pedro de Sintra que encontrei foi na obra de José Alfredo, Velharias de Sintra V. Das pessoas mais antigas que questionei sobre o assunto ninguém me soube dar alguma informação. Vou então apenas referir-me à obra citada. Refere que:
“começarei por lhes dizer que entre as ruas do Fetal e Manuel Adriano Mourato Vermelho, em frente da travessa de S. Pedro, num terreno que hoje é aproveitado para cultura, existiu uma praça de touros construida em madeira erguida por iniciativa do Visconde de Faro e Oliveira, há mais de 60 anos.”
“Tem lá mais para cima uma rua com o seu nome. A praça de touros não durou muito tempo e por esse motivo não tem história que mereça contar. Era , enfim , uma praça para amadores.“
A obra Velharias de Sintra V é uma edição da Câmara Municipal de Sintra do ano de 1984. Se José Alfredo diz que foi construida há mais de 60 anos, então deve ter sido construida no início da década de 20. Nada mais consegui descobrir sobre esta antiga Praça de touros.
A Praça de Touros da Quinta dos Cedros.
Pouco também consegui descobrir sobre esta Praça de touros da Quinta dos Cedros. Sendo uma Praça de touros numa quinta privada tem capacidade para 1250 pessoas e foi desativada há uns anos por falta de manutenção.
Durante muitos anos foi palco dos treinos do cavaleiro Emídio Pinto e onde se chegaram a realizar muitos festejos taurinos, inclusive com a presença do então presidente da República, Almirante Américo Thomaz.
De todas as mencionadas esta é a única que ainda se mantém de pé.
Espero que de alguma maneira, este estudo tenha ajudado a dissolver algumas curiosidades sobre a Praça de Touros de Sintra, ou a Praça de Touros de Cintra, ou as Praças de Touros de Sintra.