O Palácio de Seteais. José Alfredo em – O campo de Seteais – diz que o campo de Seteais é muito antigo e dele fez sempre parte integrante o recinto que existe nas traseiras do palácio que não sei desde que data é conhecido pelo Penedo da Saudade.
Há muitos anos que se houve dizer que o seu nome tem origem na tradição que gritando um “ai” da estrada o eco se repete sete vezes. Nunca comigo tal facto aconteceu. Num escrito anónimo e muito antigo existente na biblioteca de Sintra admite-se que o seu nome deriva do facto de terem ali existido terras onde se cultivava centeio e dai Centeais como se escrevia e dizia antigamente.
O terreno que sempre foi publico era limitado a norte e poente por uma propriedade chamada Quinta da alegria. Do lado nascente há uma outra propriedade que recentemente adoptou o nome que nos finais do século XVIII designava a sua vizinha quinta da Alegria pertencia em 1783, ou antes, mesmo a Daniel Gildemeester natural de Utreque e que naquela época recuada era cônsul da Holanda no nosso país.
Palácio de Seteais – descrição
No manuscrito que atrás referi dia o seu autor coisas muito interessantes sobre o campo e o seu palácio. Esse manuscrito é de 1851 e, porque muitos pormenores conferem rigorosamente com outros escritos merecedores de todo o crédito temos que concluir que o seu auto estava seguro daquilo que escreveu.
Daniel Gildemeester embora dono da quinta e palácio de Seteais não tinha nela casa de habitação, pois vivia no verão como inquilino no palácio do marquês de Pombal na rua Consigliéri Pedroso pagando de aluguer 2000$00 rs por ano.
No manuscrito diz-se o seguinte:
“… para deixar o palácio em que muitos anos viveu em Cintra ao seu dono o marquês de Pombal e em despique da linda vivenda que na estrada de Colares, dentro da quinta de Monserrate acabava de edificar o seu íntimo amigo cônsul inglês Mr. Gerard Devisme a construir uma outra vivenda que com ela rivalizava pela sua grande e solidez para o que em 1783 comprou no fim do campo do Alardo (seteais) os ginjais e serrados que antigamente parece produziram centeio, sementeira que talvez desse origem ao nome de Centeias que ficou ao dito campo…”
Com autorização da Câmara demoliu o grande morro de pedra e construiu um palácio que hoje (1851) ali se encontra.
A descrição minuciosa que o autor anónimo faz do interior do palácio harmoniza-se perfeitamente com aquilo que ainda hoje existe. Na Cintra Pinturesca diz-se que o palácio é a construção do lado do nascente. Há aqui um lapso manifesto. Deste lado foram construídos uns estábulos a alojamento para pessoal.
E como disse a descrição feita no escrito a que me reporto adapta-se perfeitamente ao corpo do lado do Poente:
“…tem uma sequencia de salas sendo muito espaçosa a de dança. Seguindo a uma galeria de lindos gabinetes que rodeiam todo o palácio no centro do qual há uma espaçosa e elegante escada para o andar inferior onde entre outras salas a e a grande casa de jantar ao nível e com portas para o jardim…”
Esta escada ainda existe e a sala de jantar é aquela que serve para o mesmo efeito no hotel que actualmente ali funciona.
Na parte norte fez construir um pombal que ainda existe em nível inferior ao conhecido Penedo da Saudade. Devo dizer que naquela era se acreditava que os pombos purificavam o ar e afugentavam a Peste nos sítios que habitavam.
A Quinta da Alegria foi também obra de Daniel Gildemeester para o que mandou quebrar enormes rochedos e conduzir de fora muita terra. Com tudo isto gastou o cônsul da Holanda para cima de seiscentos mil cruzados.
William beckford que assistiu à inauguração do palácio descreve no seu diário a festa que assinalou o evento o qual teve lugar em 25 de Julho de 1787 dia dos anos de Daniel Gildemeester.
Segundo o falado manuscrito parece que Luís José de Brito então contador do reino ofereceu a Gildemeester de quem era amigo ,um pequeno mato que havia no extremo poente da quinta da Alegria onde o cônsul da Holanda mandou construir uma casa para fabrico de manteiga, e como tinha muito dinheiro não esteve com meias medidas e mandou vir da sua própria pátria uma família que percebia do assunto.
O Mato chegava até a base do Monte de Santa Catarina situado dentro da Quinta da Penha Verde que ficou sendo daquela banda o limite da Quinta da Alegria.
Daniel Gildemeester
A grade riqueza de Gildemeester ainda foi aumentada de forma muito curiosa. Em Fevereiro de 1786 naufragou ao norte de Peniche o galeão espanhol S. Pedro d´Alcantara que regressava de Peru com carga valiosíssima. Bastante foi recuperada mas muita ficou no fundo do mar.
Julgando terem ficado esgotados os recursos da época para recuperar o resto. O rei de Castela que estava grato ao cônsul holandês por virtude de umas diligências que este tinha feito na Alemanha em relação a um grande fornecimento de madeiras para construções navais ofereceu-lhe o direito de recuperar à sua custa o que lhe fosse possível do precioso espólio que o oceano guardava.
Gildemeester arriscou dinheiro, mas conseguiu tirar do fundo do mar uma grande parte da riqueza submersa.
Assim ficou com a sua fortuna muito aumentada. Mas parece que o nosso homem não era dotado de grande tacto administrativo, pois dava grandes festas e recepções oferecendo aos numerosos amigos almoços, jantares e ceias pantagruélicas chegando a trazer de Lisboa uma rabequista a quem dava casa, comida e 24,000 rs. por mês naquele tempo.
Assim como era de esperar quando deixou este mundo quase de repente em Fevereiro de 1793 no seu palácio de Sintra já tinha a sua fortuna bastante reduzida.
Foi sepultado em Lisboa no Cemitério Inglês onde a família e amigos lhe erigiram segundo o escrito anónimo um elevado e quadrangular mausoléu
Deixou viúva D. Joanna de Goran e um filho com o mesmo nome do pai o qual a este sucedeu no cargo de representante diplomático do seu país em Portugal.
O 5º marquês de Marialva
A quinta e o palácio passaram em data que se ignora, mas certamente já muito perto de 1800 para a posse do filho mais velho do 4º marquês de Marialva o 5º marquês D. Diogo José Vito de Menezes Noronha Coutinho, que também foi 7º conde de Cantanhede.
Uma vez na posse da propriedade o Sr. D. Diogo 5º marquês de Marialva e estribeiro-mór de D. Maria I “acrescentou no alinhamento do palácio acomodações para família, cavalos, e sem comunicar estes dois edifícios em tudo semelhantes na perspectiva, juntou por um arco majestoso que os realça, aformoseia e perpetua a honra que o marquês teve em 1802 de ali receber o rei D. João VI e D. Carlota Joaquina sua esposa.”
Parece assim não haver qualquer dúvida de que o corpo do lado do nascente é obra do 5º marquês de Marialva. Esta construção foi feita logicamente onde Gildemeester tinha construído os estábulos aproveitando possivelmente alguma parte deles.
Sobre o arco tenho a dizer que este é encimado por um medalhão onde se veem as efígies daqueles dois príncipes tendo por debaixo a inscrição quer dizer o seguinte:
“A João Augusto fidelíssimo príncipe regente, esperança, amor e delicia da Lusitânia gente, por motivo da paz que desejamos e também dos inúmeros negócios resolvidos nestes calamitosos tempos, não só pela força das armas em todo o tempo invictas, mas pela sabedoria, prudência e justiça do seu real animo com felicidade e preclaríssimas virtudes, consagra este monumento o marquês de Marialva no ano de 1802.”
Numa litografia de Michelis em 1843 vê-se que os dois nichos que ladeiam o arco eram preenchidos com figuras que se perdeu o seu paradeiro nem se sabe o que representavam.
Não se sabe também a data certa em que o nosso 5º marquês entrou na posse da Quinta da Alegria e Palácio de Seteias. Este lamento já se encontra no apêndice ao diário de William Beckford senhor de grande fortuna e a quem já lá para trás referi-me.
O grande ricaço inglês também foi amigo do marquês de Marialva e é possível que tenha frequentado o palácio na época em que o estribeiro-mor já era seu proprietário, pois teve pela 3ª vez em Portugal de Outubro de 1798 a Julho de 1799.
Numa acta de reunião da Câmara datada de 6 de Julho de 1800 constata-se que na data referida já as propriedades pertenciam ao marquês de Marialva o qual nessa altura pretendia aforar o Campo de Seteias que era do domínio público. Assim a transmissão verificou-se pouco antes desse ano.
Palácio de Seteais – Aforamento
Houve pelo menos três tentativas para o fechar: uma por parte do marquês de Marialva nos princípios do Séc. XIX; depois ainda dentro do mesmo século cerca de 1897 outra parte do Conde de Azambuja que, entretanto se tinha tornado dono da Quinta da Alegria e palácio de Seteais e sucessor do aforamento do campo e mais recentemente quando já tudo se tinha transmitido para o Sr. Conde de Sucena, José Rodrigues de Sucena que faleceu em 29 de Outubro de 1952.
Devo dizer ainda que todas elas não tiveram os resultados pretendidos dos seus proprietários.
Devido a estes factos o Sr. Estribeiro-mor tinha 62 anos e não se sabe se foi devido ao desgosto que sofreu por não ter conseguido totalmente aquilo que pretendia o que é certo é que pouco tempo depois deixou a Quinta da Alegria, o campo de Seteais e este mundo. Morreu em 8 de Agosto de 1803.
Na posse das propriedades sucedeu-lhe a filha mais nova D. Joaquina de Meneses que foi marquesa do Lourical por casar com D. Luís Maria Eusébio de Meneses Silveira, 4º e ultimo masques daquele título e 8º conde da Ericeira.
D. Joaquina de Meneses nasceu em 1782 e morreu em 1846. Em 1851 ainda corria o inventário instaurado por sua morte e entre os bens a partilhar la estava o palácio de Seteais.
Esta D. Joaquina faleceu no estado de viúva sem ascendência ou descendência pelo que a propriedade coube em partilha ao sobrinho D. Nuno José Severo Rolim de Moura Barreto, 1º duque de Loulé e que foi grão-mestre da Maçonaria Portuguesa.
Nasceu em 6 de Novembro de 1804 e morreu a 22 de Maio de 1875. Ao duque de Loulé sucedeu na posse do histórico palácio e Quinta da Alegria e aforamento do campo seu filho D. Augusto Pedro de Mendonça Rolim de Moura Barreto que veio ao mundo em 4 de Agosto de 1835 para o deixar em 22 de Novembro de 1914.
Também ele teve desejos de fechar o campo tal como o marquês de Marialva.
Mas as tentativas de fechar o campo como já disse não ficam por aqui. Antes porem e para respeitar a cronologia direi que em 8 de Abril de 1913 foi autorizado a praticar ali o Grupo Foot-Ball de Sintra, mas isso já acabou há muitos anos. Cabe também dizer que nesta altura que ali se realizavam viários concursos hípicos e exposições industriais.
Quando da última tentativa do Sr. Conde de Sucena de fechar o campo de Seteais um grupo de Sintrenses e entre eles Zacarias Jacinto resolveu tocar o sino da Igreja a rebate por constar que o acesso ao Penedo da Saudade estava vedado por uma cancela.
Por escritura de 15 de Outubro de 1946 feita no cartório do notário da capital Dr. Mário Mendes o conde de Sucena transmitiu por venda para o estado a posse do palácio e quinta. José de Sucena faleceu pobre em Outubro de 1952.
Palácio de Seteais e o Romantismo em Sintra
O Palácio de Seteais “dá o ponto de partida para o Romantismo em Sintra”, afirmou o historiador Jorge Baptista, autor de um estudo sobre este monumento nacional e um dos símbolos da vila de Sintra.
O Palácio deu início a “um diálogo com a natureza que hoje tanto realçamos em Sintra, tendo criado um cenário com uma paisagem melancólica, com um apelo à poesia, à serenidade e à saudade”.
De arquitectura neoclássica, insere-se no conjunto de palácios reformados pela burguesia. Destaca-se a entrada, com frontões triangulares, janelas de guilhotina e uma escada de dois braços que se desenvolve para o interior no sentido da fachada secundária.
Pode-se também constatar a adaptação do palácio à irregularidade do terreno, que tem um enquadramento com o Palácio da Pena.
Realce ainda para a escadaria ampla, de dois braços e três lanços, dando acesso ao andar inferior. Refira-se que este é o Palácio de Seteais, descrito como abandonado na famosa obra de Eça de Queirós “Os Maias”.
O corpo do lado oriental, acrescentado ao conjunto pelo V Marquês de Marialva, em estilo predominantemente neo-clássico, muito contribuiu tal como o imponente arco central de triunfo, para a unidade global do edifício.
São dignas de mérito algumas particularidades da construção – sistema de alhetas ou contracunhais: frisos desnivelados e quebrados: e a platibanda, desequilibrada e alta do jardim de buxo -, as quais, aliadas à implantação em U do imóvel, fazem deste palácio um monumento único no panorama arquitectónico sintrense.
Numa construção deste tipo, torna-se extremamente difícil definir uma linha arquitectónica única. Até porque e apesar da escassa documentação relativa à sua edificação e decoração interior, denotam-se características de vários estilos, sobressaindo do conjunto fortes influências inglesas próximas dos projectos de William Elsden.
O Arco triunfal de Seteais
Autêntico ex-libris de Seteais, o soberbo arco triunfal atribuído a Francisco Leal Garcia, culmina num frontão imaginário, encimado por um medalhão de bronze onde se patenteiam as efígies de D. João VI e de D, Carlota Joaquina, inscrevendo-se, logo abaixo e numa bem proporcionada cartela, uma epígrafe dedicada ao Príncipe Regente.
O majestoso equilíbrio de toda a fachada reside, sobretudo, na indução de escala e traçados geométricos clássicos, sublinhados pelas linhas de força das cimalhas.
De cada lado do arco triunfal, um par de bustos pétreos remata ambas as fachadas simétricas do edifício, intercalando-se com grinaldas e vasos que, em conjunto, ornamentam todo o ático.
Os interiores, na sua maior parte revestidos de sedas e mobílias, apresentam bom gosto, realçando-se os magníficos frescos do andar nobre, atribuído aos discípulos de Jean Pillement, ou até mesmo ao próprio pintor, dada a pureza das suas linhas.
Na sala de jantar, encontramos uma exuberante vegetação exótica, em que se debatem sereias e tritões. No salão menor, são já as paisagens “rocailles”, onde brincam crianças, engalanadas por representações de reposteiros de estilo neo-clássico e por passamanarias ao gosto chinês.
Hoje está ali instalado um hotel de luxo e” os portões do campo são construídos de tal forma que sem dependência alguma podem entrar e sair por eles todas as pessoas que deles se quiserem servir e utilizar sem nunca em tempo algum estarem fechados com chave, ferrolho, cadeado ou outro fecho semelhante”.
A Rainha Juliana da Holanda, o General Franco, Américo Tomás, François Mitterrand, Felipe González, Willy Brandt, Agatha Christie, Marguerite Yourcenar, Burt Lacaster, Catherine Deneuve, Vieira da Silva, Amália Rodrigues, Richard Nixon, Júlio Iglesias, Claudia Schiffer, Brad Pit, a banda U2, Johnny Deep ou Mel Gibson são algumas personalidades que ficaram hospedadas neste hotel.
Uma palavra ainda para o majestoso jardim de buxo, para o verdejante, campo relvado frontal, para os inúmeros terraços, pombal, mirante e, ainda – realce-se – o famoso Penedo da Saudade. É um sítio encantador cheio de romantismo e poesia e como se sabe em 1801 ainda não era assim designado.
O panorama que dali se desfruta é dos mais belos que Sintra oferece aos seus visitantes pena está que hoje em dia uma árvore tapa quase toda a visibilidade. Uma coisa posso dizer que cenas de amor felizes se passaram ali centenas de vezes. Se a pedra falasse….
É com estes magníficos versos de Carlos Amaro que termina aqui a história do campo de Seteais.
“Se esta velha pedra ouvisse
O que rimos aos vinte anos!
Ais de amor e desenganos,
Talvez que a rir se partisse.
Mas tivesse olhos e olhasse
Os espectros que hoje somos,
Tão diferentes do que fomos…
Talvez que a pedra chorasse.”
In – José Alfredo da Costa Azevedo – O Campo e Palácio de Seteais