A história do Palácio de Monserrate então designado como Quinta da Bela Vista remonta a uma data longínqua desconhecida, mas pensa-se que a construção de uma pequena capela do tempo da Reconquista cristã marca os seus inícios.
Esta suposição fundamenta-se no facto de Gaspar Preto, monge nascido em Segura, no concelho de Idanha-a-Nova, aí ter feito reconstruir uma capela, em 1540, após uma peregrinação ao santuário de Nossa Senhora de Monserrate, em Barcelona. Este novo templo recebeu a invocação de Nossa Senhora de Monserrate (Azevedo, 1982: 73)
Provavelmente, no século XVI a capela torna-se propriedade do Hospital de Todos-os-Santos de Lisboa, pois, no século XVII, esta mesma instituição cedeu-a a «um fidalgo da família Melo e Castro, que mais tarde comprou a posse directa do imóvel» (Costa, 1985: 9).
Em 1718, Monserrate foi incorporado no morgadio instituído por D. Caetano de Melo e Castro (falecido nesse mesmo ano), Conselheiro do Estado, Capitão-Mor das Naus da Índia. Governador e Capitão-Geral de Moçambique, Governador de Pernambuco e Vice-Rei da Índia.
Os Melo e Castro, estabelecidos em Goa, administravam a propriedade de Sintra por intermédio de procuradores que se encarregavam de encontrar rendeiros que assegurassem a exploração agrícola e a manutenção dos edifícios que compunham a propriedade.
O terramoto de 1755 causou grandes estragos na propriedade e o seu estado agravou-se progressivamente até ao fim do século. Das casas então existentes, apenas se sabe que o Terramoto as tornou inabitáveis.
Em 1790, e com o objectivo de «(..) arrendar utilmente a mesma Quinta, mas também promover a utilidade, conservação e augmento deste Predio (…)» (tal como revela um contrato assinado na época), D. Francisca Xavier Mariana de Faro Melo e Castro dá a arrendar a propriedade a Gerard DeVisme.
Gerard DeVisme
Comerciante inglês que enriquecera graças ao monopólio da importação de pau-brasil, concedido pelo marquês de Pombal, arrenda a quinta de Monserrate e manda construir um palacete neogótico. O local escolhido foi o de uma antiga capela e que, encontrando-se em ruínas fora, entretanto, refeita noutro local.
D. Francisca Xavier Mariana de Faro Melo e Castro considerava que DeVisme era: “… um dos mais sólidos Negociantes desta Praça, caracterizado de conhecida probidade e de hum genio particular para a Agricultura” (Costa. 1985: 69).
Ainda de acordo com o mesmo contrato, assinado em Janeiro de 1790, Devisme «pertendia não só arrendar a dita Quinta largo tempo, por ser aquele citio o niais rempto, o mais semilhante aos Ares da sua Patria, e por isso o mais conveniente para a sua saude e para descansar das fadigas do seu Comercio: mas tambem pertendia restabelecer a mesma Quinta, augmentando os seus Pomares e dando-lhe o beneficio de que carecião, readificando a seu arbitrio as cazas da mesma Quinta, as quais pelo estrago do Terramoto (…) padecerão ruma tal que as tem feito quazi inhabitaveis. e (…) fazendo as mais officinas de que preciza huma habitação decente, fechando a dita Quinta que he toda aberta, com grave prejuizo da sua cultura, e pondo o dito Predio nos termos de ser muito mais util e importante (..)» (Costa. 1985: 69-70).
O arrendamento era válido por nove anos.
DeVisme residiu pouco tempo em Monserrate, acabando por subarrendar a propriedade e todas as suas benfeitorias a William Beckford, por volta de 1794.
William Beckford
DeVisme, cujo monopólio estava ameaçado pelo afastamento do Marquês de Pombal e a “Viradeira de D. Maria I, alugou Monserrate a William Beckford, em 1794, e partiu para Inglaterra, no ano seguinte, aí permanecendo enquanto durou o arrendamento.
Beckford utilizou uma pequena parte da sua grande fortuna para realizar inúmeras benfeitorias no palácio. Avançou, também, com a primeira concretização de um jardim romântico, que integrava as ruínas, um Cromeleque e uma cascata natural ali existentes.
Em Julho de 1795, Beckford escrevia a Mme Isabel Sill Bezerra, pondo-lhe a Quinta de Monserrate à disposição e dizendo “My dear friend, I’ve been too much engaged with the royalty of Nature, with climbing rocks and cork trees, with tracing rills and runnels to their source and examining the recess of these lovely environs”
(Laura Bettencourt Pires, William Beckford e Portugal, Lisboa, edições 70,1987).
Beckford não chegou a ficar na Quinta dois anos, partiu para Inglaterra e depois voltou a Portugal, em 1798. Durante a estada de Beckford em Inglaterra (de 1795 a 1798), Monserrate foi arrendada aos três filhos de José de Oliveira, fidalgo da Casa Real.
É a partir desta terceira estada em Portugal, de Outubro de 1798 a Junho de 1799, que Beckford renovou o contrato de sub-locação aos herdeiros de Devisme por um período ininterrupto de nove anos, em 1807 (Costa, 1985: 52).
Em 1799, Beckford deixa definitivamente o nosso país e Monserrate volta a entrar em declínio.
Depois, após a partida definitiva de Beckford, em 1799, a propriedade foi totalmente votada ao abandono: «ninguém da alta nobreza estava à altura de continuar os grandiosos sonhos do “rico” Mr. Devisme (…) e ainda menos de velar pelo bom estado do “paraíso” e de dar sequência aos “projectos de felicidade” que foram concebidos pelo mais rico dos ingleses» (Araújo, 1988: 183).
Da visita de Byron à propriedade, em 1809, ecoa do poema Childe Harold’s Pilgrimage (XXII-XXIII), o sentimento romântico que o velho e harmonioso palácio nele havia despertado:
«On sloping mounds, or in the vale beneath,
Are domes where whilome kings did make repair:
But now the the wild flowers reound them only breath;
Yet ruin’d splendour still is lingering there,
And yonder towers the Prince’s palace fair:
There thou, too, Vathek! England’s wealthiest son.
Once form’d thy Paradise, as not aware
When wanton Wealth her mightiest deeds hath done,
Meek Peace voluptions lures was ever wont to shun.»
«Here didst thou dwell, here scenes of pleasure plan,
Beneath yon mountain’s ever beauteous brow;
But now, as if a thing unblest by Man,
Thy fairy dwelling is as lone as thou!
Here giant weeds a passage scarce allow
To halls deserted, portals gaping wide;
Fresh lessons to the thinking bosom, how
Vain are the wrecks anon by Time’s ungent tide.»
O poeta, referindo-se ao palácio lamenta que “um matagal enorme” a custo lhe permitisse chegar “às salas sem ninguém com seus portais abertos” e considera, em carta escrita a 16 de Junho desse ano, que a Quinta de Monserrate “o primeiro e mais lindo lugar deste reino”.
A ruína do palácio “gótico” de Monserrate evoluiu lentamente: em 1828, numa litografia colorida, publicada por James Bulwer e intitulada A Farm or Residence of Mr. Beckford and tje above Collares, pode observar-se a construção praticamente intacta no exterior. Todavia, na representação executada por Hoffmann, em 1848, vê-se o corpo central sem cobertura.
Em 1855, a propriedade conheceu novo destino: D. Maria de Castro e Almeida Pimentel de Siqueira e Abreu, detentora do morgadio de Monserrate, regressa de Goa e perante a impossibilidade de se alojar no palácio que a sua família possuía em Lisboa, no bairro do Alto de Santa Catarina, destruído pelo terramoto, vende Monserrate a fim de obter fundos que lhe permitam construir uma nova residência no bairro lisboeta da Lapa.
Francis Cook
Em 1856 a quinta de Monserrate é comprada à família Mello e Castro por Francis Cook, um milionário inglês, comerciante de têxteis que manda refazer o palácio, agora ao gosto neo-mourisco, e que cria um notável jardim paisagístico, inspirado pelo romantismo inglês.
A Sir Francis Cook (1817-1901), que em 1841 casa com Emily Martha, filha de Robert Lucas se fica a dever a concretização do coerente programa construtivo e ornamental do arquitecto inglês James T. Knowles, em plena comunhão com o programa de florestação e renovação das espécies botânicas do parque.
O conjunto foi transformado num exemplo ímpar do revivalismo e ecletismo de Oitocentos, predominantemente marcado por um exotismo oriental e onde os motivos vegetalistas delicadamente rendilhados do interior do palácio se prolongam harmoniosamente no jardim.
Palácio de Monserrate – a Sala Biblioteca do Palácio de Monserrate
O Jardim de Monserrate
Transforma Monserrate num magnífico jardim exótico plantado pelo inglês Burt (falecido em 1887) e, mais tarde, no tempo do filho de Francis Cook, por Walter Oates, autor de uma descrição publicada em 1929: «O Parque de Monserrate, aconchegado a meia altura da serra, no pendor que se desdobra para os lados do mar, não tem a vastidão majestosa do Parque da Pena, com o qual pretenderia rivalizar.
O chão fértil, as águas finas, a vizinhança das neblinas marinhas, favorecem de tal maneira a vegetação escolhida pelo plantador, que a impressão dominante é a de um jardim encantado, onde se ocultam as coisas mais raras.
A intenção discutível de ali se juntar o maior número de espécies exóticas, sobrepôs-se, pouco a pouco, não só a pujança das árvores de grande porte, mas também a vitalidade das matas primitivas. E a beleza natural dominou completamente a colecção de raridades. Pelo meio desse paraíso quase sem vento, há um “riacho que vai puluando, de pedra em pedi-a, até se aquietar lá no fundo, entre relvas muito verdes, formando um espelho imóvel, onde boiam cisnes brancos e plantas aquáticas” (Costa, 1985: 38)
É graças ao espírito romântico de Francis Cook, à intervenção programática do paisagista William Stockdale, do botânico William Nevill e do mestre jardineiro James Burt que podemos hoje encontrar cenários contrastantes no Parque de Monserrate.
Ao longo de caminhos sinuosos, por entre ruínas, recantos, lagos e cascatas nos permitem o contacto com ancestrais Fetos-arbóreos e Araucárias da Nova Zelândia e da Austrália, Agaves e Palmeiras que recriam um cenário do México, camélias, azáleas, rododendros e bambus, lembrando um jardim do Japão.
Nesta aparente desordem, exemplares de espécies espontâneas da região, como os surpreendentes Medronheiros de porte arbóreo, os já muito raros Azevinhos e os imponentes Sobreiros pontuam e complementam a magnífica paisagem.
Jardins do Palácio de Monserrate Capela da Quinta do Palácio de Monserrate
Herbert Cook, filho de Francis Cook (a quem o rei D. Luís outorgou o título de Visconde de Monserrate), prosseguiu os trabalhos de melhoramento do jardim que a família mantinha aberto a público.
Os jardins demoraram bastante tempo até serem concluídos (1863 a 1929). Monserrate manteve-se na posse da família Cook até 1947.
Em 1946 a família tentou vender Monserrate ao Estado Português, que protelou a oferta de tal modo que seria o antiquário Saúl Sáragga a adquirir a quinta e o palácio com o respectivo recheio, que por seu turno tentou, sem sucesso, repartir em lotes a imensa propriedade. Finalmente, Sáragga vendeu em leilão todos os bens do palácio.
Só em 1949, o Estado conseguirá adquirir a quinta e a tapada, num conjunto de 143 hectares, juntamente com o palácio, embora este estivesse praticamente destituído.
Monserrate oferece-nos hoje a possibilidade de fruição de um ambiente característico de um jardim romântico à inglesa, para além da contemplação de um património arquitectónico de referência e o conhecimento de inúmeras espécies botânicas de grande notoriedade.
O Vale dos Fetos é justamente um desses lugares, espelhando o gosto da década de 50 de Oitocentos pelo coleccionismo de Fetos-arbóreos, aqui presente num vale entre a cascata e a capela, a zona do parque com melhores condições de humidade e ensombramento. Com as condições do meio desta forma seleccionadas, a proliferação destes Fetos exóticos, originários da Nova Zelândia e da Austrália, foi assim possibilitada.
O caminho em direcção à capela serve de fronteira entre o Vale dos Fetos e um bosque de carvalhos, castanheiros e medronheiros. A capela, réplica da original existente no local do palácio, foi modificada por Sir Francis Cook, com o intuito de se assemelhar a uma ruína romântica integrada nos jardins como era então habitual nos jardins ingleses.
O Vale do México apresenta-nos uma flora exótica proveniente de climas quentes, desde o México aos arquipélagos da Madeira e de Cabo Verde, onde se destacam as Iúcas, as Nolinas, as palmeiras os Pinheiros-de-Montezuma, o Taxódio e os Dragoeiros.
Junto aos lagos ornamentais, podemos encontrar um magnífico Taxódio-do-México e uma Araucária-de-Norfolk, a árvore de maior porte do Parque com mais de 45 metros de altura.
Chegados ao magnífico relvado de Monserrate, também construído na segunda metade do século XIX e o primeiro a ter, em Portugal, um sistema de rega que lhe permitia manter-se verde todo o ano.
Aí encontramos um Metrosídero originário da Nova Zelândia, uma das árvores mais notáveis do Parque. No fim da Primavera e início do verão produz flores escarlates e tem a capacidade de desenvolver raízes aéreas que captam a humidade.
Depois de deixarmos o Palácio, aguarda-nos o Caminho Perfumado, criado com a intenção de fruição dos aromas provenientes de uma pérgola, coberta de Glicínias, que juntamente com os Loureiros e Cinamomos enchem o ar de agradáveis aromas.
As sensações que permite experimentar e a riqueza do património que nos é dado a conhecer, fazem do Parque e Palácio de Monserrate uma peça fundamental da descoberta da Sintra do Romantismo.
Palácio de Monserrate Palácio de Monserrate Palácio de Monserrate Palácio de Monserrate Palácio de Monserrate Palácio de Monserrate