O Guerreiro da Pena no Parque da Pena. Não muito longe do antigo Picadeiro, ou Campo de Ténis, existe no cimo de uma grande pilha de blocos graníticos uma estátua de grandes dimensões de um Guerreiro trajado à forma medieval.
Este Guerreiro, que surge em privilegiada posição face ao Palácio da Pena, ocupa o topo de um magnífico Penedo da chamada Tapada do Ferreira, e domina toda uma zona onde se encontram também localizados outros lugares notáveis da Pena: o Templo das Colunas, a mesa octogonal e o Poço Seco, para referir apenas os mais conhecidos.
O Guerreiro apresenta-se de pé e olhando em frente – precisamente na direcção do Palácio da Pena – sobre uma base de pedra na qual se encontra inscrito o número (data?) 1848.
A versão mais aceite, da imagem é do Barão de Eschwege (Wilhelm Ludwig von Eschwege), colaborador incansável de D. Fernando II na criação da obra magnífica que é a Pena, mas não há provas do mesmo.
Estátua do Guerreiro da Pena
A estátua é em pedra (ao passo que a lança é em ferro), e as suas medidas são (de acordo com a Monografia do Parque da Pena) as seguintes: altura – 2,75m; lança – 2,80m; largura de ombros – 0,75m; pé – 0,35m; escudo – 0,65m x 1m.
Na sua mão direita, uma lança encontra-se apontada aos céus (contrariamente à lança de S.Jorge, no vitral da Capela, que fixa no Dragão alado aponta para baixo), recebendo do dos céus da inspiração Divina para a imóvel função de cumpre no Parque e em Sintra.
De acordo com o “Livro da Ordem de Cavalaria” (de Ramon Llul), “a lança é dada ao cavaleiro para significar a verdade, porque a verdade é coisa recta e não se torce, e a verdade vai à frente da falsidade; e o ferro da lança significa a força que a verdade tem sobre a falsidade (…).
E a verdade é o suporte da esperança, e assim das outras coisas que são significadas como verdade pela esperança do cavaleiro”.
Ainda sobre a lança, acrescenta Carlos Dugos, no seu “Tradição e Simbólica do Princípio Real”, que “Tal como a espada, a lança é também um instrumento guerreiro, simbolicamente solar e ígneo, remetendo mais directamente para a expressão axial e, consequentemente, para a vara do poder (…)”.
No que se refere ao pormenor de estar, na estátua do Guerreiro, voltada para cima, refere Dugos: “a lança remete para as relações entre o Céu e a Terra, sendo então por seu intermédio que o «fulgor» divino desce sobre os homens. Trata-se como é evidente de um símbolo mediador e central, directamente ligado com a função real.
No entanto, essa coluna de bênçãos pode tornar-se a arma que fere; já que, abençoar ou ferir, são duas faces inversas de uma mesma coisa. (…) Decisivamente ligada a um simbolismo sexual e mais precisamente fálico, a lança é uma arma viril, cuja ponta voltada para cima, rompe os céus, fazendo brotar deles a semente da vida, enquanto que a sua extremidade oposta, a ponta inferior da haste, deposita no cálice – símbolo sexualmente feminino e mesmo uterino – essa sementeira celeste”.
A lança do Guerreiro da Pena
A lança do Guerreiro é bem a representação da mais conhecida e procurada de todas as lanças, a de Longinos, que feriu Jesus Cristo durante a Crucificação, brotando a ferida água e sangue (“Contudo um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água.”, João, 19-34).
E é também o objecto físico que melhor simboliza o Raio, como “manifestação do fogo celeste”, que une o céu e a terra, tal como o define o soneto de Francisco Costa, Cruz Alta. O Guerreiro da Pena apresenta ainda um elmo, couraça e escudo.
O elmo, que protege a cabeça, encontra-se com a viseira aberta, permitindo ao Guerreiro observar o Palácio, e tudo o que se passa nas suas imediações. Do cimo do elmo pendem três Penas de Ave, de fortíssimo simbolismo, que se relacionam não apenas com o lugar em si (ou não estivesse o Guerreiro dentro dos muros da Pena de Sintra), mas também com outros simbolismos universais (como é o caso da Flor-de-Lis).
A couraça é a peça que protege o peito do Guerreiro, e nomeadamente o seu Coração, centro vital do corpo. Ela mantém pura a alma do Guerreiro, impedindo que as investidas do inimigo provoquem nele feridas mortais que impeçam a continuidade do combate.
É também símbolo de justiça, tal como referem as Sagradas Escrituras (Isaías 59-17: “Vestiu-se de justiça, como de uma couraça, e pôs o capacete da salvação na cabeça”).
O Escudo do Guerreiro da Pena
Por fim, o escudo – em forma de ogiva invertida -, divide-se em duas zonas principais distintas: uma parte superior (que é a principal) lisa e sem qualquer gravação, e uma parte de baixo ocupada pela imagem de um navio (nau) ancorado, e de velas recolhidas, tal como acontece com no vitral da Capela de Nossa Senhora da Pena, na imagem específica do Cavaleiro Vasco da Gama ajoelhado.
Talvez este aspecto tenho conduzido alguns a apelidar a estátua de “Vasco da Gama”, tal como refere Mário de Azevedo Gomes na sua Monografia.
No livro “Sintra, Sete anos numa Ilha”, o investigador Jorge de Matos associa a Nau do escudo do Guerreiro àquela da “saga manuelina de Clarimundo e Fanimor, novos Artur régio e Merlim pontifical”.
O escudo do Cavaleiro é naturalmente uma arma defensiva, protector daquele que o porta. Aquilo que nele se inscreve exteriormente, destina-se a ser observado, lido, interpretado pelo opositor do Cavaleiro, desencorajando-o (ou reprimindo, nas palavras de Carlos Dugos) s suas intenções violentas.
No caso do Guerreiro da Pena, a inscrição da Nau no escudo parece sugerir “a dignidade e honras” d’Aquele que o segura.
O Guerreiro da Pena, imóvel sobre o Penedo que é o seu posto de vigia, aguarda com impassível serenidade a hora anunciada. E quem o observa com os olhos que a alma tem não pode deixar de recordar as palavras de Fernando Pessoa no seu poema A Última Nau: “Não sei a hora, mas sei que há a hora / Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora / Mystério”.