A Igreja da Misericórdia pelas suas características caritativas, voluntárias e a Misericórdia da Vila de Sintra acumulou ao longo dos tempos um acervo arquivístico e artístico digno de nota. Para além de toda a documentação medieval e quatrocentista — herdada de anteriores instituições locais de beneficência -, a Santa Casa de Sintra possui ainda importantes núcleos documentais dos séculos XVI, XVII e XVIII.
Do seu espólio fazem parte, também, inúmeros paramentos, adornos, peças de altar, coroas, resplendores e escudelas, datados na sua quase totalidade do período balizado entre o século XVI e o XVIII.
Lugar destacado merecem, contudo, as tábuas quinhentistas do templo, atribuídas a Cristovão Vaz e representando a Adoração dos Magos e a Ressurreição de Cristo, que consistem em duas obras de significativo valor pelo seu cromatismo, pureza de linhas e composição estética.
A igreja de invocação mariana, embora actualmente se encontre reduzida apenas à sua capela-mor, apresenta ainda algo da sua importância passada, sendo digno de registo o retábulo do século XII-XVIII, todo ele construído em talha dourada, e onde se salientam as várias ordens de colunas torsas ricamente ornamentadas com parras e cachos de uvas.
A imagem, de roca, colocada ao centro do retábulo, constitui uma interessante peça setecentista.
Não se sabe ao certo qual a verdadeira data da fundação da primeira instituição de beneficência de Sintra. Autores há que arvoram uma cronologia anterior ao século XIV.
Pelo Tombo quatrocentista/quinhentista de propriedades existente no Arquivo Histórico da Misericórdia, depreende-se uma cronologia muito recuada. Mas essa primitiva instituição não pode ser de modo algum confundida com a Santa Casa da Misericórdia de Sintra, a qual – como veremos – é obviamente muito mais tardia.
Todavia, nenhuma dúvida se tece quanto à época da instituição do Hospital do Santo Espírito — que antecede directamente a Misericórdia -, o qual remonta, seguramente, ao reinado de D. Fernando, tal como a construção do primeiro templo.
De qualquer dos modos, a Confraria da Santa Casa da Misericórdia da Vila de Sintra surge-nos apenas fundada em 1545, a instâncias de D. Catarina, mulher de D. João III. Foi também a pedido dela que este monarca anexou à Confraria da Misericórdia o antigo Hospital e a Gafaria.
Durante os séculos XVI e XVII a Misericórdia de Sintra continuou o seu trabalho de prestação de serviços de saúde e religiosos — regidos pelas catorze «obras de Misericórdia» -, compreendendo alguns de ordem prática e outros de ordem ideológica.
Os legados à Misericórdia de Sintra sucederam-se, acumulando um avultado património, sendo de registar as diversas doações monetárias e patrimoniais, bem como as ofertas de obras de beneficiação destinadas à igreja de Nossa Senhora das Misericórdias, edificada em frente do Paço Real.
Mais tarde, durante o século XVIII, a Misericórdia de Sintra continuava a gozar de inúmeros privilégios régios; apenas o terramoto de 1755 veio abalar aquela instituição.
Arrasada quase completamente a sua Igreja, as obras de reconstrução começaram logo de seguida, se bem que a um ritmo pouco acelerado — porquanto toda a Santa Casa se encontrava, então, sobretudo empenhada no auxílio dos sobreviventes —, tendo-se dado por concluídas as obras apenas em 1762.
Hoje, o templo encontra-se reduzido ao magnífico altar-mor e a dois altares laterais, pois que toda a nave e demais dependências foram criminosamente demolidas, nos alvores da República, a fim de alargar a via pública.
É caso para dizer nem Deus escapa à fúria capitalista porque actualmente esta igreja encontra-se penhorada por uma instituição bancária que lhe removeu todo o seu recheio.
Igreja da Misericórdia antes da demolição da facahada