Volta do Duche em Sintra

A Volta do Duche

Para iniciarmos este artigo sobre a denominada Volta do Duche tenho primeiro que me recorrer da Planta de 1850 do Real Paço de Cintra levantada pelo Capitão José António de Abreu de grande utilidade, e de outra planta levantada no ano 1840 do cartógrafo José Carlos de Chelmicki.

Também usei as Velharias de Sintra de José Alfredo, a Cintra Pinturesca de António Cunha, o Guia de Portugal Lisboa e arredores de Raul Proença e de mais alguma documentação e periódicos antigos da região.

Na primeira planta de 1850 diz-nos exatamente onde estão localizadas todos os edifícios e lugares que vamos referenciar, a segunda um pouco mais antiga de 1840 e menos detalhada, que vai servir também de base a este trabalho.

Então vamos lá saber porque é que a antiga Estrada Real a Estrada Nacional nº 88 se chama actualmente – a Volta do Duche.

Decorria o ano de 1848 quando o Dr. Bernardo Castro pede licença para a realização de uns banhos públicos junto das propriedades de Miguel David Gallwey no local denominado de Azinhaga da Sardinha, junto da antiga Fonte da Sardinha

O benemérito e prestigiado médico Dr. Bernardo Egídio da Silveira e Castro era Formado em medicina pela Faculdade de Coimbra, Homeopata, fundou em 1859 a Gazeta Homeopathica Lisbonense e tinha clínica no conselho de Sintra. Concedida a necessária autorização, mandou proceder ao início das obras.

Por que razão queria o distinto médico homeopata uns banhos de água fria em Sintra?

Para responder à questão transcrevo um excerto dum opúsculo dedicado a Sua Majestade El-Rei, O Senhor Dom Pedro Quinto e oferecido aos homens de consciência e superiores que entre nós ensinam ou praticam a nobre e liberal profissão da medicina:

“Mui numerosos são os estabelecimentos que se encontram hoje d’aquelle genero em toda a Europa; entre nos contámos por muito tempo um só, em Cintra, e hoje mais dois, um no hospital militar da Estreita, e outro no hospital dos alienados em Iiilhafolles. É ao corajoso, independente e desinteressado dr. Bernardino Egídio da Silveira e Castro que devemos o estabelecimento de Cinta, que tantas curas extraordinarias tom feito, e de que ou mesmo tantos benefícios tenho recebido. Honra, mil vezes honra a este cidadão benemérito, que desprezando os sarcasmos dos collegas, as mofas dos que d’elles são victimas, e os interesses que fazia pela sua clinica, se ri com desprezo e dó d’aquelles que o abandonam.

Segundo José Alfredo nas suas velharias de Sintra, era um estabelecimento muito modesto, pois tinha apenas duas piscinas com cerca de 5 metros e 4 largura e 4 banheiras revestidas de tabiques de madeira.

Num periódico da região de Sintra faz também referência aos banhos e diz assim: “Com a abertura da antiga estrada real de Sintra a Mafra foi a quinta cortada, ficando a parte mais baixa com a abundantíssima nascente de água vulgarmente chamada de Duche. Nesta parte da Quinta existiam aí pelos anos de 1870 e 1880 umas pequenas casas em relativo estado de conservação, onde se tomavam banhos de duche e imersão, e havia também uma piscina de natação”.

No periódico refere também que eram frequentadas especialmente por ingleses que vinham veranear para Sintra e que “actualmente a parte baixa da Quinta que tem a abundante nascente pertence à Companhia das Águas de Sintra que segundo consta a comprou e la tem montada uma bomba elevatória para abastecer o seu depósito da vigia que fornece água para a vila Estefânia”

No Cintra Pinturesca encontramos outra referência à Fonte da Sardinha: “A fonte da Sardinha é hoje uma dependência da quinta do duche propriedade do conde de Valenças. Junto de uma grande pedra sai um avultado olho de água que nunca seca, de qual se servem os moleiros desta vila para moerem trigos”.

A Quinta do Duche era antigamente conhecida por quinta do Degan, nome originado no do seu antigo proprietário D. Caetano de Gand, segundo Olivia Guerra ou D. Caetano Deagan segundo José Alfredo.

Continua “Aquele recinto foi logradouro publico sendo mais tarde vedado com o pretexto de resguardar o estabelecimento, como também e com o mesmo pretexto, foi vedado por uma cancela o caminho para os banhos junto do matadouro antigo, e que era pouco mais ou menos no local onde está hoje o palácio do conde de Valenças”.

O estabelecimento de banhos e a sua nascente, com a construção da nova estrada para Mafra em 1906 foi desanexado da parte principal da Quinta do Duche então na posse do Sr. José Carlos de O’Neil. Este era já considerado como parte integrante da mesma quinta e assim foi adquirido pelo milionário Afonso Lopes Ferreira dos Anjos, sogro do Conde de Valenças.

Finalmente em 1908, 60 anos depois da sua construção e na posse de António Pereira, o estabelecimento de banhos de Sintra encerra definitivamente.

Em memória dos banhos, o sítio passou então a designar-se a Volta do Duche. Penso que está respondido à denominação do referido local.

Planta da Vila de Sintra do cartógrafo – José Carlos de Chelmicki

O Matadouro Velho

Chega de banhos por agora e vamos ao matadouro. Tenho a certeza que a maioria dos Sintrenses desconhecia a existência de um matadouro na vila de Sintra.

O matadouro velho da vila funcionava mais ou menos onde hoje esta localizado o Palácio de Valenças. Sabe-se que em 1847 por determinação da Câmara” foi ordenada a intimação dos marchantes para não continuarem a matar gado na vila, mas sim no campo do lugar de S. Pedro, destinada para esse fim pelas câmaras passadas“.

Na planta do Capitão José António de Abreu de 1850 ainda é referenciado o Matadouro no local onde é hoje o Palácio de Valencas. Na planta de 1840 do cartógrafo José Carlos de Chelmicki não existe nenhuma referência ao local, pelo que pensamos que a obra é posterior a essa data.

Inauguração do Matadouro de Ouressa em 26-05-1959

Da vila velha passou para Monte Santos, no local onde é hoje as oficinas do Elétrico, junto do museu de ciência viva.

Posteriormente voltou a ser transferido no ano de 1959 (para o recente inaugurado matadouro no dia 26 de maio) para a Quinta de Ouressa junto da linha férrea.
No local do velho matadouro como referimos anteriormente, D. Luís Leite Pereira Jardim o Conde de Valenças, manda edificar em 1860 o seu belo palácio de veraneio, o Palácio de Valenças.

Planta de Sintra do Capitão José António de Abreu de 1850 de onde vem referido o local dos Banhos de Sintra e o Matadouro

As Queijadas

Decorria o ano de 1890 quando Francisco Antunes das Neves instala a venda de queijadas da Sapa num prédio da Volta do Duche, antes propriedade de Guilhermina Gallwey herdeira de Miguel David Gallwey falecido no ano de 1885.

As queijadas da Sapa foram as primeiras a serem fabricadas e comercializadas em Sintra. Depois por ordem cronológica: as da Mathilde, seguida pelas da Piriqita, depois as do Gregório e por último as queijadas do Preto.

Já agora para que saiba de onde vem o nome de queijadas do Preto, foi o proprietário Carlos de Almeida que comprou numa loja de moveis, uma figura de preto em madeira que fazia parte de um casal. Colocou-a à porta do edifício e ainda hoje lá esta. Essa figura deu o nome à fábrica.

Estrada da Volta do duche

Em 1860 D. Luís Leite Pereira Jardim o Conde de Valenças manda edificar o seu belo palácio de veraneio como já referimos em cima. Em 1906 a construção da estrada foi iniciada segundo projecto de Adães Bermudes, e foi concluída em 1909.
Em 30 de março de 1912 começa o Início do calcetamento da Volta do Duche. No dia 18 de janeiro do ano seguinte a obra fica concluída.

A Fonte Mourisca

No Ano de 1920 em maio e por iniciativa do vereador da Câmara de Sintra, Jerónimo Inácio Sintra, é construída a fonte no extremo da Volta do Duche, sendo encarregue da sua construção o escultor de Coimbra, José da Fonseca. A primeira localização da referida fonte era no cruzamento com a rua Visconde de Monserrate como mostra nas fotos seguintes.

Em abril de 1958 começam a ser demolidas as Abegoarias Municipais para alargamento da Volta do Duche.

Em janeiro de 1959 começa as obras de alargamento da Volta do Duche sob a supervisão do grande arquitecto de Sintra, Raul Lino. Em Julho do mesmo ano a Fonte Mourisca é desmantelada e as suas componentes armazenadas nos armazéns municipais do Lourel.

Vários prédios ali existentes foram desmantelados e destruídos incluindo a casa senhorial da Quinta do Limoeiro que se encontrava junto do Antigo Hospital.

Em 1974 – Com o 25 de Abril, o Parque Oliveira Salazar, antigo Parque do Duque de Valenças, passa a designar-se Parque da Liberdade.

Em 1981/1982 – 22 anos depois, a Câmara Municipal de Sintra repõe a Fonte Mourisca, voltando a armá-la na Volta do Duche.

Em 1983/84 – É criado um picadeiro na zona onde se encontra hoje o parque de estacionamento da Sardinha.

Miguel David Gallwey

O Sr. que falámos no início, o grande proprietário era Miguel David Gallwey. O senhor que se gabava de poder ir de Sintra a Mafra pisando sempre terreno seu.
Nasceu em Lisboa no dia 8 de janeiro de 1796 e morreu a 25 de outubro de 1885 também em Lisboa. Casou no dia 28 de janeiro de 1823 com Libania Rosa dos Reis filha do capitão-mor de Sintra – Maximo José dos Reis proprietário da Quinta dos Pizões.

Vista geral de Sintra antes da construção da Câmara Municipal.

Dr. Gregório Rafael da Silva de Almeida

O Dr. Gregório Rafael da Silva de Almeida, conhecido como o médico dos pobres, nasceu em 1854 e faleceu no ano de 1920 em Sintra. Na volta do Duche junto das escadinhas de acesso aos antigos banhos, está o busto em bronze do Dr. Gregório de Almeida, e que bem merecido ali está.

A autoria é de José da Fonseca que além deste executou diversas outras obras em Sintra, o Medalhão de D. Fernando II no Parque da Pena, a Fonte de Seteais, o chafariz defronte da Câmara Municipal de Sintra, o Pelourinho e o Monumento dos Heróis da Grande Guerra na Correnteza.

António Augusto Rodrigues da Cunha secretário da Câmara Municipal e proprietário da revista quinzenal – O Atheneu escreveu sobre o médico dos pobres, e diz assim:
“trabalhou muitos anos em Sintra uma vida, pode dizer-se, e morreu pobre. De noite, a qualquer hora com chuva e trovoada, num desconfortável trem, sempre com boa vontade, lá ia aos lugares mais distantes do concelho, para acudir aos doentes, na maioria pobres, a distribuir os benefícios do seu saber, que era muito, o conforto da sua palavra amiga e, quantas vezes, a esmola da sua bolsa exausta”

Era mesmo assim o Dr. Gregório Almeida. A referida estátua é composta pelo busto e por uma senhora com um menino ao colo.

Em ano que não sei precisar, a coitada da senhora da estátua com o menino ao colo, devido a um acidente, ficou sem metade da cabeça e assim ficou por longos tempos.
Não sabemos se foi por vandalismo, descuido ou por outro azar qualquer. O que sabemos e o que interessa, é que atualmente a senhora, cheia de cicatrizes, já tem a metade da cabeça reposta no devido lugar.

Assim dou por terminada a história da Volta do Duche.

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