Grande incêndio no Palácio de Queluz

O Grande Incêndio no Palácio de Queluz

O Grande incêndio no Palácio de Queluz. Eram 23 horas e 10 minutos do dia 4 outubro do ano de 1934, os Bombeiros voluntários de Sintra recebem a terrível notícia e pedido de apoio urgente para combater um grande incêndio no Palácio Nacional de Queluz.

Não se sabe ao certo a hora a que começou o incêndio no Palácio de Queluz, sabe-se que eram 22 horas e 10 minutos quando um soldado da 3.ª Companhia da Administração Militar, unidade aquartelada num edifício fronteiro ao Palácio deu o alarme.

Os primeiros voluntários a comparecer foram naturalmente, os de Queluz cuja sede é mesmo no edifício do Palácio, ala direita poupada pelo fogo. Não foi, contudo, fácil ao pessoal tomar conta do material, pois o braseiro dava a impressão de envolver tudo.

Os voluntários dos arredores foram chegando, sucessivamente. Queluz, Amadora, Sintra, Belas, Paço de Arcos, Barcarena, Carcavelos, Algés, Carnaxide, Dafundo, Agualva, Oeiras, e de Lisboa as quatro secções de Lisbonenses, Ajuda, Lisboa e Campo de Ourique.

Foram estas corporações de voluntários com todo o seu material que atacaram o fogo nos jardins, nunca tendo faltado a água, tirada das cisternas e tanques pelas bombas dos vários materiais. Só mais tarde, e após vários pedidos, chegaram os bombeiros municipais dos quartéis 1 e 11 que atacaram o fogo pelo exterior, onde se fez sentir a falta de água.

O Sr. Capitão Marques, do Corpo de Bombeiros Municipais dirigiu o ataque ao exterior. Estes Sapadores Bombeiros tiveram alguma dificuldade porque do lado exterior, para além do lago dos cavalos não havia mais pontos de água e, quanto a Bocas de Incêndio não valia a pena procurá-las.

Os voluntários, sem comando único, reuniram os chefes, e deliberaram o ataque, cada um com as suas forças, cortando o fogo a tempo de invadir a ala direita. Foi um serviço a destacar. Ao todo devem ter trabalhado 80 agulhetas.

A Ajuda dos Bombeiros de Sintra

Dos Bombeiros Voluntários de Sintra saiu uma auto-maca com o Comandante da Corporação e 4 voluntários. Aquele, ao chegar a Queluz e vendo as proporções que o fogo tomou, telefonou imediatamente para Sintra ordenando que todos os voluntários se dirigissem prontamente para o local do sinistro o que aconteceu por volta da meia-noite.

A essa hora uma quarta viatura transportando 6 voluntários, dirigiu-se para o local, tendo ainda seguido de comboio mais 3 elementos, atingindo o pessoal desta Secção que se empenhou no ataque ao referido incêndio, o número de 32 voluntários.

O início do combate ao incêndio no Palácio de Queluz foi efectuado na ala esquerda do Palácio, precisamente na Sala de passagem para as Salas de Música e do Trono, sob as ordens do 2.º Comandante. Foi ainda montada uma escada de molas com três lanços e posta em funcionamento duas moto-bombas.

Cerca das 13 horas e dez minutos do dia 5, o 2.° Comandante deu ordens para retirar, mas às 17 horas e 15 minutos do mesmo dia, por determinação do Governador Civil de Lisboa, seguiram novamente para o local do sinistro duas viaturas com 14 voluntários e o Comandante, a fim de renderem os bombeiros de Paço d’Arcos nas operações de rescaldo.

Este pessoal foi por sua vez, substituído por 9 homens há 1 hora da madrugada do dia 6, ficando sob as ordens do 2. ° Comandante, o qual continuou o rescaldo na ala direita do monumento por ordem de um Chefe de Secção do Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa, tendo empregue, duas agulhetas alimentadas por uma moto-bomba que aspirava água do Rio Jamor e a elevava à altura de 40 m.

Este facto levou a que o Chefe dos Profissionais de Lisboa, ordenasse a retirada de todas as bombas que estavam a ser usadas à excepção da de Sintra.

Às 9 horas da manhã, foram novamente rendidos por outros 10 voluntários que ali continuaram a trabalhar com o mesmo material. Estes últimos, retiraram-se definitivamente às 16 horas e 30 minutos, pois eram já desnecessários os seus serviços, tendo ficado de prevenção no Palácio apenas os Voluntários de Queluz, dado o fogo localizar-se dentro da sua zona de acção.

Na fase de rescaldo, um Aspirante desta Associação sofreu um acidente. Realce-se ainda que a Associação dos Bombeiros Voluntários de Sintra montou no local um posto de socorros, no qual ainda se ministraram alguns tratamentos, tendo inclusivamente a auto-maca conduzido ao Hospital de Sintra um ferido que apresentava alguma gravidade.

A Ajuda dos Batalhão Sapadores Bombeiros

A primeira comunicação de incêndio no Palácio de Queluz foi recebida na Central Telefónica do Comando do Batalhão Sapadores Bombeiros às 22 horas e 55 minutos e feita pelo Sr. Dr. Franco Afonso, de Queluz, por intermédio do telefone da rede da Companhia dos Telefones.

Imediatamente se procurou comunicar com o Sr. Governador Civil, quer directamente para a sua residência, quer para o Governo Civil e comando da P.S.P. Em simultâneo, perguntava­‑se para a 3.ª. Companhia de Administração Militar, aquartelada em Queluz, qual a importância do sinistro. Dali nos era dado conhecimento de que o fogo lavrava com grande intensidade.

Às 23 horas e 12 minutos, foi recebida do Grupo e Esquadrilhas de Aviação “República”, da Amadora, comunicação de que o o incêndio no Palácio de Queluz era dali avistado e lavrava decerto com intensidade.

Em face desta comunicação, tratando­‑se de um edifício do Estado, de valor de todos conhecido, tomou este Comando sobre si a responsabilidade do mesmo sem a isso estar autorizado, fazendo seguir imediatamente para o local dois autos de pronto­‑socorro, um Chefe de Divisão e um Chefe de Secção, de modo a cooperar no ataque ao incêndio.

A saída dos aquartelamentos está registada às 23 horas e 17 minutos. Entretanto, aprontavam‑se imediatamente mais dois pronto­‑socorros que, completamente guarnecidos, saíram para o local às 0 horas e 1 minuto. Anteriormente, já para lá haviam seguido um elemento do comando e um Chefe de Secção.

Às 23 horas e 25 minutos, o Sr. Governador Civil requisitou telefonicamente os socorros do Batalhão Sapadores Bombeiros, sendo­‑lhe dado conhecimento de que já iam a caminho. Houve assim, antecipação da cooperação requisitada.

As áreas ardidas no Incêndio

No Incêndio no Palácio de Queluz arderam: a Sala da Tocha e a dos Archeiros, de silhares de azulejos de tapete, e à qual paravam antigamente os coches, as berlindas, os estufins desapareceram completamente. As salas do Bilhar e dos Particulares, onde se encontravam belos quadros e móveis bons foram devoradas.

A magnífica Sala dos Embaixadores ou das Talhas, que já existia, embora sem grandeza, no tempo dos Filipes, quando a moradia pertencia ao 2.º. Marquês de Castelo Rodrigo; verdadeira preciosidade, revestida de azulejos, pavimentada de ladrilho azul e branco em xadrez, notável pelo seu tecto, foi das primeiras a ser devorada.

O incêndio principiou justamente por cima, numa casa onde trabalhavam operários de carpintaria. Estava a ser reconstruída, estava pintada de novo e dava­‑se por pronta. Justamente os artistas mandaram arrear os travejamentos, depois de o tecto ter sido elevado uns tantos metros.

Das colunas oitavadas, revestidas de espelhos, onde assentam dosseis, obra onde se viam o Rei D. José, a princesa e infantas, nem sinal. A Sala do Conselho ou do Despacho, paredes apaineladas, boas pinturas no tecto, onde se reuniam os ministros é outro montão de escombros.

O precioso toucador da Rainha Carlota Joaquina, pequena câmara “Rocaille”, revestida de espelhos, com painéis de delicadíssima pintura e o quarto de dormir da Rainha com pinturas sobre vidro, figuras bucólicas dormindo, e onde morreu Carlota Joaquina há 134 anos, foram pasto das chamas.

A lindíssima Sala das Merendas, de formoso tecto branco em hexágonos de rosetões dourados, com os seus quatro painéis representando merendas das caçadas reais e festas galantes de Salvaterra e Alfeite, desapareceu.

Finalmente a Sala D. Quixote, o quarto onde D. Pedro IV nasceu em 1798 e morreu em 1834 com as suas oito colunas sustentando o tecto circular, com as suas dezoito pinturas de Manuel da Costa e José António Narciso, escoou­‑se pela abertura das caves, que eram depósitos de material de arte, num inferno de fogo.

As salas que se salvaram

No Incêndio no Palácio de Queluz salvaram-se as salas de Jantar, a Sala de Escultura, que foi o “atelier” de uma princesa, o Oratório, o Quarto das Princesas, foram poupadas.

A magnífica Sala do Lanternim por onde se entra para a tribuna da capela, escapou sem estragos de maior. Nela estava o retrato famoso de D. Miguel. Este quadro havia sido há pouco retirado do seu lugar, para restauro. Se lá estivesse corria o risco de arder ou de se inutilizar ou deteriorar com a água e com a precipitação dos salvados, como aconteceu a muitos móveis, quadros e peças de cerâmica.

A Capela foi poupada integralmente. Na ocasião do incêndio foi quase desguarnecida com o justo receio de o fogo lá chegar. Poupou­‑se, pois, todo o seu recheio, de boa obra de arte, coros entalhados, ricos paramentos de prata, detalhes preciosos de ourivesaria.

A preciosa Sala de Música ou das Serenatas, agora em obras, de abside elíptica, rica de talha e a Sala do Trono que corresponde ao centro do corpo lateral na direita do edifício, também em obras, molduras barrocas, riquíssima de talha de arte, portas de espelho, tecto muito bom, onde a pintura e as obras de madeira se conjugam, milagrosamente escaparam.

O recheio salvo no Incêndio no Palácio de Queluz

No Incêndio no Palácio de Queluz Foi ainda bastante o recheio artístico salvo. A circunstância de estarem em obras algumas das salas ardidas poupou bastante o mobiliário, que delas tinha sido transferido. Os depósitos, porém, cheios de tapeçarias e de vários objectos de arte, que ficavam sob a Sala D. Quixote arderam e suportaram os escombros de todo o edifício.

Além do retrato de D. Miguel salvou­‑se o busto em cera de D. João VI porque fora há tempos retirado da Sala D. Quixote. Estava com a redoma de cristal partida e o busto intacto. Foi levado para o edifício do largo, anexo do palácio, onde está a torre.

Os armários holandeses salvaram­‑se ambos; um foi conduzido para os jardins, sem estrago de maior; o mais precioso, datado do começo do século XVII, foi levado há tempos para o palácio de Belém.

No começo do incêndio dedicadas pessoas da vila, empregados do palácio, alunos da Escola de Agricultura, salvaram centenas de peças de mobiliário, espelhos, cerâmicas, quadros, estampas, talha, o que tudo ontem durante o dia se foi arrumando na capela e no citado anexo do palácio.

No Jardim de Neptuno, fronteiro ao Palácio, e sobre montões de salvados, via­‑se um crucifixo antigo, com relíquias nos braços de madeira, cujo Cristo, em marfim amarelecido já sem um braço, que se perdera na refrega do salvamento com as chamas.

Por felicidade das salas ardidas, foram retirados 28 quadros grandes, do melhor que as paredes continham, e que foram conduzidos para a Escola de Belas Artes, antigo atelier do mestre Luciano Freire, onde o distinto artista Sr. Fernando Mardel os tomou à sua conta de restaurador paciente.

Os castiçais de prata encontrados numa parede do quarto de D. Carlota Joaquina foram salvos também. E os lustres quase todos, porque estavam desmontados por motivo das obras.

A origem do fogo e a suspeita de crime

Eram 22 e 10 horas quando o Soldado da Porta de Armas da 3.ª companhia de Administração Militar deu o alarme. De começo o soldado não julgou tratar­‑se de um incêndio, mas pouco depois certificou­‑se da apavorante realidade. Bradou às armas. Acorreram oficiais soldados que se levantaram, dos catres, e povo que foi surpreendido pelo alarme.

O Jornal Diário de Lisboa conta que: As labaredas não tardaram a pôr ao quadro, recortado em negro, uma mancha trágica de desgraça. Os moradores do palácio, na maioria gente modesta, gritavam como loucos. Fez­‑se o pânico.

O fogo invadia tudo. A ventania que não era grande era, contudo suficiente para animar a acção devastadora das chamas.
O conservador do palácio, o Sr. José de Calazans da Silva e Sousa, que ali presta serviços desde o tempo da monarquia, pessoa respeitável e apaixonada pela sua missão saltou do leito, apesar se encontrar atacado de reumático. O seu estado de espírito era desolador.

Pôde-se verificar ser no ângulo da ala esquerda que o fogo fizera já os seus maiores estragos, e fácil foi determinar que o incêndio começou no segundo pavimento desse ângulo, sobre a Sala dos Embaixadores, pintada de fresco, com abundância de materiais inflamáveis, sobretudo a cola de vernizes que seguravam o revestimento renovado das paredes.

Nesse pavimento trabalhavam operários carpinteiros, e o chão estava naturalmente cheio de aparas de madeiras e materiais de fácil combustão.

A versão inicial, e aparentemente lógica, é a de que uma ponta de cigarro, deixada cair por descuido quando os últimos operários abandonaram o edifício, tivesse dado origem ao incêndio.

O certo é que as pessoas de categoria, e das de maior responsabilidade na conservação do palácio, admitem essa hipótese a de crime sem a forçar. Não ouvimos nenhum bombeiro dos que primeiro compareceram pensar em tal.

Mas como pode estar a arder o edifício desde as 18 horas até às 20 sem se dar por isso – argumentam os partidários de “fogo posto”.
O fogo não se teria desenvolvido logo. Teria “rastilhado” com dificuldade até perfurar o forro do segundo para o primeiro pavimento (Sala dos Embaixadores). E depois, quando lá chegou, foi pólvora.

Dois agentes da Polícia de Investigação Criminal estiveram esta manhã no Palácio, e ouviram o Almoxarife Sr. José Calazans, e o construtor empreiteiro Sr. Ernesto Augusto da Costa.

Eram cerca de 80 operários, pintores, carpinteiros, entalhadores, douradores, pessoal escolhido que trabalhavam no Palácio.
E os homens apresentaram­‑se hoje todos ao serviço, desolados.

O Rescaldo e a Reconstrução do Palácio

O Palácio de Queluz , Monumento Nacional, há muito anos que oferecia lamentável aspecto de abandono. Muitas salas ameaçavam ruína, e se não lhe acudissem a tempo, corriam o risco de se perder.

Na vigência da República e em diversas épocas, várias obras sem plano geral definido têm sido feitas, embora nem sempre se tenham concluído. Ultimamente, porém, foi votada uma verba mais ampla para obras no edifício.

Era delegado do Director-Geral nas obras de Queluz, o engenheiro Sr. Leal Faria, e encarregava­‑se da direcção artística o arquitecto Guilherme de Andrade. “Tenho as plantas, alçados e cortes de todo o edifício. De quase tudo há moldes, modelos e elementos para a reconstituição, no que respeita à parte arquitectónica e aos interiores artísticos”.

Como delegados do Concelho Superior de Belas Artes nesta espécie de comissão estavam o arquitecto Raul Lino e o Dr. José de Figueiredo. Eram estes senhores que dirigiam ou acompanhavam superiormente os trabalhos da restauração das salas da ala esquerda, trabalhos que começaram em Março do ano passado.

O artista Sr. José Maior, moldador e entalhador, que tem “atelier” numa das dependências do Palácio, trabalhava também na reprodução de pastas e moldes.

Para finalizar o major Frederico Vilar, Comandante do Batalhão Sapadores Bombeiros refere que:
“Desde 1929 que esta unidade levou ao conhecimento das entidades superiores à necessidade de serem tomadas medidas de protecção a esses edifícios. O incêndio do Palácio de Queluz veio infelizmente a confirmar os nossos receios.”

Os trabalhos de rescaldo são demoradíssimos, e, apesar de se supor terminados pela meia tarde de ontem, continuaram hoje durante todo o dia.

Raras vezes na história dos fogos grandes, se terá presenciado um facto assim. Quando se deu pelo incêndio o palácio já estava perdido.

O incêndio atingiu tão altas temperaturas que o vigamento de aço e algumas máquinas de costura que existiam no piso superior derreteram e pingaram no piso de baixo. A única solução foi cortar o próprio edifício, e foi isso que o foi feito.

No dia 2 de setembro de 1948 um novo incêndio no Palácio Nacional de Queluz tendo sido atingido apenas o Torreão da Capela. Intervieram neste fogo os Voluntários de Sintra, Amadora, Queluz e o Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa.

O Grande Incêndio no Palácio Nacional de Queluz – 22:10 minutos do dia 4 outubro do ano de 1934.

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