Quando se fala de Sintra no século XIX a figura mais recorrente é a de Byron, que no Lawrence Hotel terá escrito parte do seu Child Harold Pilgrimage, onde dedica uns versos a Sintra:
“Lo! Cintra’s glorious Eden intervenes
In variegated maze of mount and glen.
Ah me! what hand can pencil guide, or pen,
To follow half on which the eye dilates
Through views more dazzling unto mortal ken
Than those whereof such things the bard relates,
Who to the awe-struck world unlocked Elysium’s gates?”
Lord Byron, ou George Noel Gordon, tinha 21 anos quando a 7 de julho de 1809 chega a Lisboa, em plena ocupação francesa e inglesa, com o rei no Brasil e a anarquia nas ruas. Embarcara em Falmouth, com o seu amigo John Hobhouse e os criados – Fletcher, Murray e Bob, e já era membro da Câmara dos Lordes e autor editado nessa altura.
Lord Byron – Visita a Sintra
Visitou Sintra, Mafra e Lisboa, e deixou Portugal a 17 de julho, tendo permanecido apenas 10 dias entre nós, mas os suficientes para desprezar os portugueses “terra sanguinária onde a lei não basta para proteger a vida” e emular a bela e verdejante Sintra
Consigo viajou em 1809 um outro inglês, John Cam Hobhouse, que nos deixou um relato da sua visita a Sintra, no âmbito dum diário de viagem escrito em latim, e de que respingamos extratos, traduzidos para português:
Quarta Feira dia 12 de julho de 1809 – “Fui com Marsden de caleche até Sintra, numa estrada com muitas curvas, três jugos de vinho, pão e queijo e trinta dinheiros. Vimos o palácio de Marialva em Sintra e os jardins de Monserrate, antes propriedade do sodomita inglês Beckford, agora deserto e sem mobília“
“Entretanto, Byron foi a Mafra visitar o palácio e convento, onde antes da invasão francesa os frades eram 150 e agora só 30(…) Jantei em Sintra com três clérigos- Scott, Simmons e Turner e passei lá a noite”
Quinta Feira dia 13 de julho de 1809 – “De burro, fomos a Nossa Senhora da Pena, ao mosteiro de S. Jerónimo onde vivem 4 monges, pobres, mas não mal vestidos. E ao Cork Convent (Convento dos Capuchos) na parte mais alta da região, com 17 franciscanos que não comiam carne nem bebiam vinho e se flagelavam.“
“Mostraram-nos uma cave no jardim (…)o seu abade pôs-nos queijo e laranjas numa mesa de pedra. Descemos então das alturas e visitámos Colares, bela vila, com vinho abundante, clarete, e tornámos a Monserrate, um palácio só excedido pelo de Marialva em Sintra. Aí jantámos com o bom reverendo Turner. Noite em Sintra”.
Sexta Feira dia 14 de julho de 1809 – “Fomos visitar com Byron, e por sugestão da irmã de Marialva, o seu palácio, ricamente decorado em estilo inglês (Palácio de Seteais) e estivemos na sala onde a famosa Convenção foi assinada e vimos um mosteiro do lado oposto.
Dissemos adeus a Sintra, onde havia no hotel vários hóspedes embriagados e uma mulher suja irlandesa nos entregou uma monstruosa conta de 40 dollars e meio(…) Lendo acerca de Sintra, descubro que a humidade é causada por exalações de vapor”.
Lord Byron – Carta para Inglaterra
No dia 16, escrevia Byron para Inglaterra:
Ao Sr. Hodgson “Lisboa, 16 de Julho de 1809.”
“Até ao momento temos seguido a nossa rota, e visto todo o tipo de panorâmicas maravilhosas, palácios, conventos, &c., – o que, estando para ser contado na próxima obra, Book of Travels, do meu amigo Hobhouse, eu não anteciparei transmitindo-lhe qualquer relato de uma maneira privada e clandestina. Devo apenas observar que a vila de Cintra, na Estremadura, é talvez a mais bela do mundo.“
“Sinto-me muito feliz aqui, porque adoro laranjas, e falo um latim macarrónico com os monges, que o compreendem, uma vez que é como o deles, – e frequento a sociedade (com as minhas pistolas de bolso), e nado ao longo do Tejo, e monto em burros ou mulas, e digo palavrões em Português, e sou mordido pelos mosquitos. Mas quê? Aqueles que efectuam digressões não devem esperar conforto“.
Quando os portugueses são pertinazes, eu digo ‘Carracho!’ – a grande praga dos fidalgos, que muito bem ocupa o lugar de ‘Damme!’ – e quando fico aborrecido com o meu vizinho declaro-o ‘Ambra di merdo’ (por Homem de merda).
Com estas duas frases, e uma terceira, ‘Avra bouro’ (por Arre burro), sou universalmente reconhecido como pessoa de categoria e mestre em línguas. Quão alegremente vivemos sendo viajantes! – se tivermos comida e vestuário. Mas, em sóbria tristeza, qualquer coisa é melhor que Inglaterra e eu estou infinitamente divertido com a minha peregrinação, até ao momento.
Amanhã começaremos a percorrer cerca de 400 milhas até Gibraltar, onde embarcaremos para Melita [por ‘Melilla’ ?] e Bizâncio. Uma carta para Malta aí me encontrará, ou será reexpedida caso eu esteja ausente. Rogo-te que abraces o Drury e o Dwyer, e todos os Efésios que encontres. Escrevo com o lápis que me foi dado pelo Butler, o que torna o mau estado da minha escrita. Perdoa a ilegibilidade.
Hodgson! Envia-me as novidades, as mortes, as derrotas e crimes capitais e as desgraças dos amigos; e dá-nos conta das questões literárias, e das controvérsias e das críticas. Tudo isto será agradável – ‘Suave mari magno, &c.’. A propósito, tenho andado enjoado e farto do mar. Adieu.”
Depois, foi o regresso a Lisboa, onde a 17, rumou a Sevilha, enquanto o seu companheiro e os criados seguiam para Gibraltar. Para sempre ficou o Delicious Eden.
Fernando Morais Gomes