Acidente Rally na Serra de Sintra. O despiste no Rali de Portugal – Vinho do Porto que ajudou a mudar o mundial de ralis.
O despiste do Ford RS200 de Joaquim Santos no troço da Lagoa Azul do Rali de Portugal, que provocou 4 mortos e três dezenas de feridos contribuindo para o fim dos super carros no Mundial.
Markku Alén quando apareceu voluntariamente na comunicação social portuguesa nos dias que antecederam o início da terceira ronda do Campeonato do Mundo de Ralis de 1986, era sinal que algo se passava.
A mensagem do então motorista do Lancia era clara e simples: “fiquem de fora da estrada”. A popularidade do Rally de Portugal cresceu dramaticamente nos últimos anos, com algumas das etapas simplesmente incapazes de conter o grande número de fãs que chegam de todo o lado para ver as super máquinas.
Fora do Rally de Portugal devido ao seu terrível acidente na Argentina no ano anterior, Ari Vatanen estava bem ciente do perigo que Sintra representava tanto para o rali como para o desporto em geral.
Disse o finlandês: “Em Itália e em lugares como este, era difícil controlar os fãs naquela época. Mas em Portugal, era impossível. Lembro-me de dirigir pelas etapas de Sintra acenando com o punho para esses malucos na estrada. Dirige por este corredor humano. Foi um acidente esperado para acontecer”.
No Dia 5 de Março era uma quarta-feira e a primeira etapa estava marcada para as 9h15. A Etapa da Lagoa Azul tem cerca de 5 km com um trajecto muito rápido e com muitas curvas largas. Era um dos locais preferidos dos espectadores.
A abertura do rali na Lagoa Azul, parecia indiciar uma competição disputada ao rubro, com uma lista de inscritos de nível extraordinário, a melhor de sempre, com os 8 primeiros classificados separados por apenas 2 segundos:
- Henri Toivonen e Markku Alen (ambos em Lancia Delta) e Walter Rohrl (Audi Sport Quattro), com 2m15;
- Timo Salonen (Peugeot) e Kalle Grundel (Ford), 2m16;
- Massimo Biasion (Lancia), Juha Kankkunen (Peugeot) e Malcolm Wilson (MG Metro), 2m17
Na 2ª prova especial na Peninha, Markku Alen triunfava e assumia a liderança com 4 segundos de vantagem sobre Toivonen, Biasion e Salonen; Rohrl e Kankkunen registavam mais um segundo. 3ª Troço classificativo de Sintra e terceiro líder do rali: Biasion (vencedor desta prova especial) passava a comandar com 1 segundo de vantagem sobre Alen, e 2 segundos sobre Toivonen.
Tal como em 1984, a equipa da Lancia dominava no asfalto de Sintra. A imensa multidão estimada em cerca de meio milhão de pessoas que se aglomerava nas bermas da estrada, sem que os agentes de segurança fossem capazes de conter o ímpeto de procurar chegar o mais perto possível das máquinas.
Formavam autênticos muros, numa espécie de túnel humano, invadindo e ocultando zonas de trajectória dos carros, pelo meio do qual os pilotos procuravam conduzir à maior velocidade possível.
Poucos minutos após começar a etapa, Röhrl quase atropelava um espectador que atravessou a estrada à frente do seu Audi Sport Quatro E2. O espectador escapou por milímetros.
Mais tarde na estrada Timo Salonen não teve tanta sorte. Bateu contra um fotógrafo que estava parado na estrada à saída de uma curva. Foi a parte traseira do 205 T16 E2 do Peugeot que atingiu o fotografo, derrubando-o e lançou a câmara no meio da multidão em pedaços.
O finlandês perdeu a carroçaria traseira, mas chegou ao fim da etapa. Imediatamente, as equipas se revoltaram com a falta de controlo dos espectadores. Os oficiais foram informados no final da etapa, mas nada foi feito.
Como aconteceu o acidente Rally na Serra de Sintra
Em 1986 foi o seu grande momento. Depois de anos a correr com um Ford Escort RS1800, Joaquim Santos era altura de mostrar todas as capacidades do Foguete Azul , como era conhecido o seu carro.
Foi com este carro que venceu sua primeira prova de Rally, mas depois retirou-se devido a uma falha na caixa de velocidades.
Então veio o grande momento de Joaquim Santos, a correr no Campeonato Mundial e a correr em casa. Era a oportunidade perfeita para mostrar o que os pilotos portugueses podem fazer entre os melhores do mundo. Miguel Oliveira foi, como sempre, o navegador do piloto de 33 anos.
Testemunho de Miguel Oliveira o navegador
“O Joaquim tinha treinado muito com o carro”, diz Oliveira, “e tem praticado as etapas, por isso esperava ir bem. Esperávamos misturá-lo com os melhores, mas infelizmente tudo parou muito cedo e de forma muito trágica.
“Esta é a parte mais rápida da etapa, tem uma reta e depois tem uma curva para a direita que é muito, muito rápida. É a quinta a fundo, quase máxima. No treino Joaquim fazia ali 200 km /h.
“A estrada estava completamente lotada. Havia pessoas e pessoas e pessoas. Quando o Joaquim saiu da curva um gajo pisa a estrada, tem que fazer uma correcção e quando fez a correcção e tentou voltar ao normal, a traseira do carro escorregou.
“Tenho anos de experiência como co-piloto. Eu estava a olhar para baixo. Senti que o carro não estava controlado, mas senti que ainda podia ser controlado, então continuei a olhar para as notas e lendo.
“Então senti os estrondos, mas não vi ninguém. Não vi nada porque tudo estava do lado esquerdo do carro. Eu senti várias pancadas do carro a bater nas pessoas.
Joaquim Santos não se conseguia mover. Não tinha ferimentos, mas estava com a cabeça no volante. À volta estava o caos completo. Três morreram instantaneamente, incluindo uma mãe e o seu filho de 11 anos. Outra criança foi morta e uma pessoa morreu mais tarde no hospital. Espalhados ao redor do carro, outros 32 ficaram gravemente feridos
“Não gosto de falar do meu acidente. Andei anos em que fazia tudo para não ver as imagens. Marcou-me muito”, disse à agência Lusa o antigo piloto Joaquim Santos.“
A morte de uma mulher, de 36 anos, e do seu filho, de nove anos, residentes em Queluz, foi confirmada horas após o acidente, a que se juntou depois a morte de um jovem de 18 anos, entre os 33 feridos transportados para os hospitais de Cascais e de São José e Santa Maria, em Lisboa.
O Ford de Joaquim Santos e Miguel Oliveira despistou-se, pelas 09:30, junto da estrada de acesso à Barragem do Rio da Mula, onde se concentravam centenas de pessoas, muitas em pleno asfalto.
Testemunho de Joaquim Santos o Piloto
“Na curva antes do local do acidente havia muito público e tive de me desviar da trajetória, perdendo por completo o domínio do carro”, descreveu Joaquim Santos, no dia do acidente, citado pela então agência Notícias de Portugal.
O troço com cinco quilómetros em asfalto possuía curvas rápidas e lentas, e os pilotos queixavam-se da indisciplina dos espetadores, que por vezes só se desviavam quando os carros estavam muito perto.
“Tinha decidido andar entre 70 a 80% do rendimento do carro, pois sabia perfeitamente do perigo que são estas classificativas em Sintra”, frisou o piloto da Diabolique Motorsport.
Mas o Rally não parou. Marc Duez foi o próximo num MG Metro 6R4. Sem ter conhecimento do acidente o belga não parou, mas foi ao chek point no final da etapa para avisar a organização para pararem.
Foi Duez contou o que aconteceu, mas nada foi feito para parar a prova imediatamente e deixar entrar as ambulâncias. Mais onze carros partiram em velocidade máxima, para descrença do público e da equipa.
As tripulações já viram o suficiente e reuniram-se para discutir o plano no Hotel Estoril. Café e refrigerantes foram levados para a sala e, também no carrinho, escondido num guardanapo, estava o gravador de um jornalista, mas foi descoberto e a fita removida e destruída.
As equipas tinham algo a dizer e numa nota manuscrita dizia as razões pelas quais todos os pilotos abaixo-assinados não desejam continuar com o Rali de Portugal são as seguintes:
- Como sinal de respeito às famílias dos mortos e feridos.
- Há uma situação muito especial aqui em Portugal: sentimos ser impossível para nós garantirmos a segurança dos espectadores.
- O acidente na primeira fase foi causado pelo motorista ter que tentar evitar os espectadores que estavam na estrada. Não foi devido ao tipo de carro ou à velocidade dele.
- Esperamos que o nosso desporto beneficie dessa decisão.
Entre os subscritores estavam, entre outros, Markku Alen, Massimo Biasion (Lancia), Walter Rohrl (Audi), Timo Salonen, Juha Kankunnen (Peugeot), Tony Pond (MG Metro) e Stig Blomqvist, da Ford, marca que já tinha anunciado abandonar a prova.
O diretor do rali, César Torres qualificou a desistência dos pilotos de fábrica de “emocional” e prosseguiu com a prova por também se destinar aos pilotos amadores nacionais e estrangeiros.
Um abandono que abriu caminho à vitória do português Joaquim Moutinho (Renault 5 Turbo), seguido no pódio por Carlos Bica (Lancia 037) e Giovanni del Zoppo (Fiat Uno Turbo).
O acidente decretou o fim do troço de Sintra e os super carros do grupo B com chassis tubulares e revestidos de plástico com motor turbo seriam banidos na sequência da morte, em maio desse ano, de Henri Toivonen, que se despistou na Córsega.
Vídeo com o acidente Rally na Serra de Sintra: https://www.facebook.com/240229712718912/videos/586983108043569