O Acidente Comboio em Sintra foi no dia 20 de dezembro de 1965 às 17 horas e 52 minutos que levou à morte de 18 pessoas e faz mais de 30 feridos muitos deles muito graves.
20 de Dezembro de 1965, pelas 17 horas e 52 minutos, na linha ferroviária de Sintra, entre o apeadeiro da Portela e a Estação de Algueirão- Mem Martins, um comboio de passageiros que partira de Lisboa e constituído por seis carruagens, embateu com uma locomotiva de mercadorias que circulava em sentido contrário. Logo que foi dado o alarme do trágico acidente, os Bombeiros de Sintra fizeram seguir do seu parque de material duas ambulâncias e dois prontos-socorros.
Entre o amontoado de ferros torcidos, vidros e bancos partidos, permaneciam alguns corpos entalados. Infelizmente este acidente comboio em Sintra foi o maior desta natureza registado até à presente data no Concelho de Sintra, levando à morte 18 pessoas e fazendo mais de 30 feridos os quais foram prontamente socorridos por Bombeiros, Cruz Vermelha Portuguesa, Polícia, Empresas Industriais, Médicos, Enfermeiros, CP, forcas Militares e Civis.
Depois de uma noite extenuante de trabalho e de angústia, foi restabelecido ao amanhecer o tráfego na linha de Sintra.
Raiava a madrugada e ainda o sítio da Portela era um local de tragédia, labuta insana e lágrimas. Trabalhava-se à luz dos holofotes, que se confundia já com os primeiros alvores pálidos do dia, para remover os escombros dos comboios sinistrados.
Os bombeiros prosseguem, foi uma noite inteira na tarefa de recolher os despojos que se encontravam a juncar a terra lamacenta e os ferros partidos e retorcidos. As gruas levantavam as carruagens que era possível retirar para os terrenos marginais à linha e carregavam o material circulante em condições de ser redobrado.
Depois de uma noite extenuante para os homens e para as mulheres, limpava-se o campo onde se havia desenrolado uma das mais impressionantes tragédias ferroviárias dos últimos tempos. Nos montes desenhados nas cores cinzentas da madrugada, pelas encostas, grupos de pessoas e veículos de todos os lados enquadravam o cenário triste dos destroços.
Havia suor no rosto dos homens que estavam entregues ao trabalho de desobstrução da via e de recolha dos destroços.
Acidente Comboio em Sintra – Bombeiros Voluntários Lisbonenses
Entrevista ao saudoso Tenente Coronel França de Sousa, ao tempo Comandante dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses, dado em 2002 ao programa “Sempre Alerta”, da ex-Rádio Ocidente, produzido e realizado por Jorge Trigo e Luís Miguel Baptista a quem agradecemos a amabilidade.
Conta o Comandante que:
Eu tive oportunidade de estar na minha vida de bombeiro em pelo menos e que me lembre em 5 acidentes ferroviários graves e penso que este foi dos mais graves que eu tive ocasião de participar como comandante de um corpo de bombeiros e de observar as suas consequências.
Até porque também tive a possibilidade de ter chegado ao local em muito pouco tempo depois do acidente de Lisboa a Algueirão embora por uma estrada antiga, mas o trânsito era muito menor e o policiamento foi logo montado com muita eficiência porque não havia hospitais de evacuação de Cascais e de Sintra foi tudo conduzido para Santa Maria e São José e, portanto, a velocidade para uma viatura prioritária era relativamente curto talvez 25 a 30 minutos após a colisão do acidente.
Há muita gente se calhar que ainda se lembra ou muita gente que ainda está relacionada porque perdeu parentes nesse brutal acidente ou outros que ficaram incapacitados ainda são vivos.
A atuação dos bombeiros hoje é muito melhor porque tem um equipamento muito melhor, o pessoal tem uma formação extraordinária e nessa altura nós não tínhamos equipamentos para poder ocorrer numa situação destas nem o pessoal tinha formação que tem hoje em emergência pré-hospitalar.
O acidente foi às 18:00 do dia 20 dezembro 1965, numa noite de inverno brutal e tinha chovido bastante. Era um comboio de passageiros que vinha de Lisboa que vinha repleto na hora de ponta, o comboio teria parado no apeadeiro do Algueirão, nessa altura era apeadeiro, e quando já ia a caminho da estação de Sintra na reta da Portela a uma boa velocidade tem uma colisão com um comboio de mercadorias que tinha saído da estação de Sintra e talvez por erro humano vinha em sentido contrário pela mesma via.
O acidente foi de tal maneira brutal que a locomotiva do comboio de mercadorias enfiou-se na primeira carruagem no comboio de passageiros esmagando completamente a carruagem e os corpos dos 17 mortos e 22 feridos muito graves, na altura não sei se alguns deles depois terão morrido. A própria locomotiva ao penetrar dentro da carruagem esmagou os corpos que estavam colocados no teto da carruagem.
Foi de facto uma situação muito complicada, a primeira cooperação a ter o alarme, até porque houve um grande estrondo foi os bombeiros do Algueirão que apercebendo-se da situação imediatamente pediram todo o material apropriado para os corpos de bombeiros dos conselhos de Oeiras Cascais e Sintra que tinha possibilidade de fundamentalmente ter aparelhos de corte.
Ora o aparelho de corte não havia, não havia almofadas pneumáticas, não havia absolutamente nada. A única coisa que havia eram os aparelhos oxicorte.
Apareço na teatro de operações porquanto no Regimento Sapadores Bombeiros na altura Batalhão Sapadores Bombeiros e o inspector Vicente era o comandante do Batalhão, o alarme foi dado para Lisboa e o comandante do batalhão mandou imediatamente sair todo o material apropriado.
Nessa altura na cidade de Lisboa havia uma viatura que o batalhão tinha que era um pronto-socorro grua que era única viatura que tinha o melhor material em termos de equipamento de corte de ferro.
A nossa grande angústia no teatro de operações era que havia mortos e pessoas gravemente feridas e encarceradas e havia muita gente em pânico a fugir pelas estradas. Eu lembro que no cruzamento do Algueirão havia pessoas que iam a correr apanhar transporte ou em pânico, mas havia pessoas no meio da estrada em fuga.
Pois, também encontramos num lamaçal dado que a linha estava distanciada da estrada da Portela uns metros valentes e era um lamaçal brutal, portanto os Bombeiros para estarem a trabalhar tinham de estar enterrados na lama, e havia uma grande quantidade de feridos espalhados nessa lama, e o número de ambulâncias que apareceram foi na altura até bastante suficiente, portanto problemas de efetivos ou problemas de material não existiram.
A violência do embate foi tal que o vagon dobrou e o nosso problema era de retirar as pessoas o que demorou horas e horas a fazer. Os feridos ligeiros foram rapidamente transportados para o Hospital.
Havia necessidade de iluminação, veio o exército Regimento Engenharia trouxe geradores, de Queluz a Raf trouxe holofotes, iluminou-se o teatro de operações mas este trabalho de retirada dos feridos demorou muitas horas.
Acontece que no desenrolar destes trabalhos e, porque eu também estive muito próximo deste ponto de conflito do acidente eu não posso deixar de falar num trabalho excecional de um homem que foi o comandante Artur Lage do Cacém mais o seu ajudante e que com o seu pessoal efetuou para retirar o Fogueiro da máquina do comboio de mercadorias que estava consciente com uma perna esmagada debaixo dum detrito qualquer de ferro muito pesado e fui um problema brutal para se retirar.
O Fogueiro esteve 2 horas com a perna esmagada, consciente e falando com o comandante Lages e falando com os bombeiros que estavam sobre o comando directo dele.
Também nesta altura e como isto é história posso referir uma situação particular. Em 1965 foi o ano em que foi criado o 115 pelo Doutor Fernando Sousa que na altura era o médico e chefe de serviço da Polícia de Segurança Pública, e que montou em Portugal o 115. Nessa altura era em Lisboa, Porto e Coimbra.
Havia uma viatura nos hospitais civis, que numa situação de emergência eram acionados pelo 115 e os médicos deslocavam-se do hospital ao local da ocorrência, e foi feita a estreia deste serviço neste acidente.
Também podemos referir que as auto macas nessa altura o equipamento era mínimo, não passava de uma caixa de primeiros socorros com alguns pensos e ligaduras, e algumas tinham garrafas de oxigénio.
Fim da entrevista.
Acidente Comboio em Sintra – A Entrevista ao Maquinista
Manuel Moreira o maquinista entrevistado pelo Diário Popular.
“Parti de Sintra com papéis de marcha; o chefe da estação deu-me sinal de andamento. Não vi nada que me indicasse que devia parar”, disse-nos esta manhã, na cama 2 da sala 1, do serviço 12 do Hospital dos Capuchos, o Sr. Manuel Moreira, maquinista da locomotiva «Bobó» que puxava mercadorias causador do desastre de Algueirão.
O Sr. Moreira está deitado numa cama junto à porta. Quando a abrem, ele volta os olhos para ver quem entra. Ao fundo, envergando as fardas cinzentas do hospital, um grupo de doentes daquela sala joga às cartas. Alguns têm a cabeça ligada. Também o sr. Moreira tem a cabeça ligada, e as ligaduras deixam ver apenas um dedo. O nariz está inchado e a barba é de dois dias.
Conte-nos o que se lembra, sem se cansar… – insistimos, já lhe disse. Recebi ordem de marcha. Deram-me os papéis e pus-me em andamento. Só me lembro de ver uma luz. Tornou-se, depois muito grande, e foi o choque. Lembro-me ainda da grande violência do embate e de uma grande confusão de pessoas. Fala claramente o nosso interlocutor demonstrando perfeita lucidez.
Só de quando em quando contrai as pupilas castanhas-douradas, frias, indiferentes, toldadas por uma ténue névoa.
Há mais de 36 horas que este homem está isolado do mundo. Os colegas da sala interromperam o jogo. Escutam a conversa, mas não se aproximam, ninguém lhe falara, até aqui, no acidente.
E isso, vai melhor? – Sim. Só tenho uma grande dor na cabeça.
Fala serenamente, este homem que viu a morte à frente e que, com ou sem a sua responsabilidade, causou a morte de 23 pessoas. Nada parece saber concretamente do que se passou, e nada lhe dissemos, também.
-Estava cansado?
-Não.
-Não foi o cansaço, portanto, o causador do desastre?
-Não. Tinha vindo para baixo com o «foguete», Não estava cansado.
Tenho trabalhado muitas mais horas seguidas. Não foi o cansaço.
-Mas tem a certeza que lhe deram ordem de marcha?
-Pois se até me deram os papéis…
-Não seria confusão sua?
-Não. Recordo-me bem.
E não reparou que seguia por via errada?
-Não senhor. Apenas me lembro de uma luz e depois do choque. Não sei o que sucedeu.
O Sr. Manuel Moreira treme, agora. Receamos que seja do esforço para falar e paramos com as perguntas.
-Tem frio? – interroga um enfermeiro?
-Sim. Muito…
Trazem-lhe um casaco do hospital, Manuel Moreira comenta: – Nem e meu pijama tenho aqui…
Está sob o lençol e os dois cobertores. O casaco fica-lhe sobre o peito. Tem o braço direito ligado ao corpo — fratura de omoplata. Faixas de adesivo cobrem-lhe o tórax.
Tem diversas costelas fraturadas, mas não lhe custa respirar, apenas se queixa da cabeça,
Isso sim, dói-me muito…
A investigação da Polícia Judiciária.
O Sr. procurador-geral da república deferiu ontem a competência da polícia judiciaria a fim de que seja esta cooperação a instruir o processo do sinistro na linha de Sintra. Uma vez que o acidente ocorreu fora da comarca de Lisboa, na circunscrição de Sintra, competiria ao delegado da procuradoria geral da república portuguesa daquela comarca a instrução do processo.
O grande volume de trabalho que ocupa aquele magistrado e a tarefa que lhe exigiria a instrução completa do processo o que levaria muito tempo, influíram para que fosse deferida a competência da polícia judiciária a fim de que esta corporação ultime o apuramento das responsabilidades do grave acidente.
O estado do maquinista da locomotiva “Lisboa” causadora do desastre não permitiu ainda que este prestasse declarações à polícia.
Segundo o subdelegado de saúde Dr. Aires Gouveia o choque de comboios no Algueirão deve ter ocasionado 18 mortes. Confirmou assim que os restos existentes no hospital de Sintra não são mais do que despojos dos corpos já identificados. Mais ninguém aqui apareceu a participar o desaparecimento de qualquer familiar que porventura fossem utentes da linha de Sintra.
Foi identificado no instituto de medicina legal o cadáver de uma mulher vítima do choque de comboio. Trata-se de Olímpia Maria Carrilhão de 37 anos, residente em rio de mouro que viajava com os filhos, os quais também morreram.
Os Funerais do Acidente Comboio em Sintra
Os funerais das vítimas da tragédia do Algueirão. Seguiram urnas para o Alentejo, Lisboa e cercanias de Sintra.
Às 18:00 horas o Sr. Arcebispo de Beja celebrou na Igreja de S. Martinho um ofício fúnebre de sufrágios.
Entretanto, foi Identificado mais um cadáver. No cemitério de S. Marçal foi identificado um dos cadáveres que lá se encontravam. Trata-se de Mário Augusto Esteves, ferroviário, residente no Entroncamento. Na casa mortuária do Hospital de Sintra estavam ainda por identificar 2 corpos.
Fotografias históricas cedidas pelos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém pela mão de Luís Miguel Baptista – Presidente da Direcção a quem muito agradecemos.
Site oficial da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém
Jornal o Diário de Lisboa. Outras Fotografias de arquivo pessoal.
Nada mais encontrei sobre o Acidente Comboio em Sintra no dia 20 de dezembro de 1965 às 17 horas e 52 minutos.